MANEJO FLORESTAL NA AMAZÔNIA: NECESSIDADE DE NOVOS CRITÉRIOS NA AVALIAÇÃO DE OPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                Philip M. Fearnside

                                Departamento de Ecologia

                                Instituto Nacional de

                                  Pesquisas da Amaz^nia‑INPA

                                C.P. 478

                                69.011 Manaus‑Amazonas

 

                                (092) 236‑9683

 

 

                         

 

                           09 de abril de 1989

 

 


RESUMO

 

        O manejo sustentado da floresta amazônica é inexistente em escala comercial e encontra‑se na sua infância como frente de pesquisa.  Sistemas estão sendo testados no Brasil, Suriname, Guiana Francesa e Peru para superar barreiras técnicas à produção sustentada.  A baixa prioridade que tem sido dado ao desenvolvimento e implementação de sistemas sustentados é um reflexo do baixo peso dado aos futuros custos e benefícios nos cáculos econômicos atualmente em uso.  Um exame dos critérios atualmente usados na Amazônia sugere que estes não conduzem a escolhas para desenvolvimento nos melhores interesses da região.  Problemas incluem a falta de ligação entre as taxas de desconto aplicadas aos retornos futuros e as taxas biológicas que limitam o crescimento da floresta, contabilização não apropriada para fatores ambientais e sociais, e efeitos de propriedade comum, inclusive a socialização dos custos ambientais.  O resultado é a destruição da floresta, junto com o seu potencial para produção sustentada através de manejo florestal.  Alternativas devem ser avaliadas com base na contribuição para o bem‑estar dos atuais residentes da região amazônica e os seus decendentes.

 

 


 

 

               O ser humano vale muito mais que

                 qualquer índice econômico"

 

                        Tancredo Neves, 15 de janeiro de 1985,

                        em palestra na ocasião da sua vitória

                        eleitoral para a Presidência da República.

 

 

INTRODUÇÃO

 

        Seguir cegamente índices econ^micos inapropriados está atualmente causando um desmatamento explosivo na Amazônia e sacrificando o bem‑estar futuro dos residentes da região.  Apesar deste quadro de ocupação "desordenada" existe o que, talvéz seja, uma das maiores oportunidades no planeta para que os planejadores tenham uma influência real sobre o desenvolvimento nos séculos vindouros.  Isto deve‑se à Amaz^nia ser abençoada por uma população ainda relativamente pequena, junto com a existência de vastas áreas de floresta pouco perturbada.  A Amazônia Legal brasileira, de 5 X 106 km2, tinha uma população em 1980 de cerca de 12 milhões, 52% dos quais ocupavam a zona rural (Brasil, IBGE, 1984).  Aproximadamente 8% da Amazônia Legal foram desmatada at' 1988, e a área desflorestada está aumentando a, aproximadamente, 35.000 km2 por ano, isto se a tend^ncia for presumida como linear, utilizando os últimos dois anos de dados dispon'veis para cada estado e território (Fearnside, s/d).  Embora a floresta não seja tão vasta quanto muitos acreditam, e o potencial agrícola do seu solo, quando desmatada, também seja limitado, hoje a oportunidade para se executar um desenvolvimento racionalmente planejado é ainda bastante real.  Portanto convêm a todos aqueles cujos trabalhos afetam a região, planejadores, tomadores de decis~es e inclusive de pesquisadores gastar algum tempo em pensar sobre como as decis~es de desenvolvimento estão sendo feitas na região.

 

        Antes de se poder começar a comparar uma opção em potencial com outra qualquer, de maneira racional, há de se chegar primeiro a uma definição clara dos critérios a serem usados e a um método para equilibrar‑se as necessidades e interesses conflitantes.  Uma definição clara deste tipo não vai ser alcançada aqui.  No mínimo, pode‑se identificar alguns dos assuntos em pauta que têm que ser resolvidos ao começar‑se a delinear uma abordagem para a avaliação de opções de desenvolvimento florestal na Amazônia.  Como dizem os Chineses: "uma viagem de 1.000 léguas começa com um único passo".

 

CRITÉRIOS ATUALMENTE UTILIZADOS

 

Valor Líquido Presente

 

        Os critérios atualmente utilizados para se comparar as escolhas de investimento quase sempre envolvem alguma forma de cálculo do valor líquido presente (VLP) dos retornos esperados.  Existem diversas maneiras em que a lógica por trás destes cálculos deixa de indicar as escolhas que realmente atingiriam os objetivos dos planejadores, pelo menos se estes objetivos fossem mais explícitos.  Isto se aplica especialmente às decisões que envolvem o manejo de florestas naturais.

 

        O valor líquido presente representa a quantidade de dinheiro que uma renda de longo prazo valeria se os direitos desta renda fossem vendidos como um pacote hoje.  Em primeiro lugar, vale a pena pensar se um valor monetário deste tipo realmente representa tudo que o tomador de decisões quer.  Nosso objetivo é, realmente, de ganhar o máximo possível de dinheiro hoje?  O dinheiro que ganhamos hoje pode ser repassado, através da herança, para os nossos filhos e netos que, esperamos implícitamente, poderão utilizar este para comprar uma vida melhor, e que esta será alcan,ada proporcionalmente à quantidade de dinheiro repassado.  Esta suposição pode ser equivocada.  O que os nossos filhos e netos mais necessitam herdar não é uma quantidade ainda maior de dinheiro que, mesmo corrigindo a inflação, não poderá comprar de volta as coisas que tenham sido destruidas, especialmente os ecossistemas naturais tais como as florestas.  O recurso físico, capaz de produzir continuamente, de maneira sustentável, é muito mais importante para ser repassado do que contas bancárias ou lingotes de ouro.  Myers (1983) resume o valor de manter áreas substanciais em floresta tropical, enquanto Weiss (1984) esboça as justificativas éticas e mecanismos legais para passar uma herança ambiental deste tipo para gerações futuras.

 

        Os servi,os ambientais agora efetuados pelos ecossistemas naturais, tais como a reciclagem de água na atmosfera para manter a quantidade e regularidade das chuvas, não são facilmente substituidos.  Isto reflete uma série de outros problemas associados com o uso de critérios estritamente monetários como base para decisões de investimento: na forma normalmente aplicada, computações monetárias não levam em conta tais custos como poluição, mudan,as climáticas e agravação de desigualdades e tensões sociais.

 

        Além da insuficiência do índice usado (o dinheiro) para representar o alvo desejado (bem‑estar futuro), a maneira como os cálculos são efetuados também contribui para a longa história de desastres ambientais, que o bom senso nos diz que vão piorar a condição humana durante muitos anos pela frente.  Estes são, muitas vezes, dados como resultados de incompetência, azar, ou de curta visão, porém muitos destes podem ser melhor explicados como o resultado de aplicação bastante competente de regras de decis~o que são fundamentadas em lógica errada. 

 

Taxas de Desconto

 

        O desconto rápido dos custos e dos benefícios futuros, em comparação com os esperados em curto prazo, foi fundamental ao fracasso, até agora, de aperfeiçoar e aplicar usos florestais sustentáveis.  Na maneira normal de se calcular o valor líquido presente de um investimento em potencial, tal como um projeto florestal, faz‑se a desvalorização da produção e dos custos futuros por meio de uma taxa de desconto.  Por exemplo, se faz a presunção de que a inflação está adequadamente corrigida por um plano como as Ordens do Tesouro Nacional (OTNs: um índice monetário com reajustes mensais para a inflação usada para indexar muitas obrigações e preços), então um valor hoje, por exemplo de 1.000 OTNs, com uma taxa de desconto de 10% ao ano, pode ser visto como equivalente a 100 OTNs recebidos este ano, mais um valor a ser recebido no ano que vem que é 100 OTNs / (1,10)2, e assim por diante, o expoente do denominador aumentando em uma unidade em cada ano decorrido.  O termo "1,10" no denominador representa a taxa de desconto de 10%.  O exemplo na Tabela 1 ilustra a maneira em que o desconto pode levar à destruição de um recurso natural potencialmente renovável, como uma floresta.  Neste caso hipotético um horizonte arbitr'rio de tempo de 100 anos é usado para comparar a exploração destrutiva com o manejo sustentado.  Computações foram feitas usando taxas de desconto de 3% e 10%, presumindo que o custo de uma colheita destrutiva de uma vez só é cinco vezes o custo anual do manejo sustentado, enquanto a venda da floresta após corte raso é dez vezes o valor da colheita anual sustentada.  A exploração destrutiva é indicada quando se usa a taxa de desconto de 10%, enquanto o manejo sustentado fica favorecido sob a taxa de 3%.  O exemplo deixa evidente a grande velocidade em que custos e benefícios futuros são desvalorizados quando aplica‑se taxas comumente usadas (tais como 10%).  Esta situação fatalmente leva a decisões que favorecem ganhos até modestos a curto prazo, em comparação com o que poderia ser benefícios enormes a longo prazo, e que podem desprezar custos a longo prazo que são literalmente catastróficos.

 

        Quando os valores de diferentes opções são comparados, os seus valores líquidos presentes s~o julgados na base de uma taxa de desconto padronizado que reflete a renda que poderia ser obtida por investimento em outras atividades alternativas.  As conclus~es são, muitas vezes, altamente sensáveis ã taxa de desconto usado.  As alternativas para um investidor individual incluiriam empréstimos de dinheiro para terceiros, por exemplo, através de depositos em cadernetas de poupança.  Uma grande empresa pode estar comparando os lucros capazes de ser obtidos nos investimentos em manejo, a longo prazo da floresta amazônica, com aqueles que poderia ganhar através do corte raso da floresta e a substituição desta por plantios de Eucalyptus ou pastagens, ou mesmo através de investimentos em locais e setores da economia totalmente diferentes.

 

        A escolha de taxas de desconto para análises financeiras é um processo inteiramente subjetivo, apesar da impressão superficial de objetividade dado pelas computações numéricas em que são usadas estas taxas.  As taxas de desconto podem ser selecionadas tanto acima quanto abaixo de um valor crítico em que o resultado cambia, assim indicando qualquer conclusão que o analista possa querer.  A.J. Leslie (1987a,b) tem argumentado com eloquência que as altas taxas de desconto usados em an'lises financeiras, sistematicamente, subestimam a rentabilidade de manejar a regenerção natural em florestas tropicais, e que os méritos econ^micos por si mesmos são suficientes para fazer, desta, a escolha racional para o uso da terra em grande parte dos trópicos.

 

Índices Financeiros versus Limites Biológicos

 

        O problema com análises financeiras usando taxas de desconto baseadas em renda potencial de investimentos alternativos é que as taxas de retorno a serem esperadas de, por exemplo, uma fábrica nova na área industrial de Cubatão, são fundamentalmente diferentes das taxas biológicas que limitam a taxa de retorno que pode ser esperado obter da floresta amazônica.  As taxas de crescimento das árvores, e a taxa em que a sua reprodução substitue os indivíduos removidos da população, são baixas e somente pode ser aumentados por intervenção humana até um certo ponto.  Este ponto é bastante limitado e não tem nada a ver com os retornos disponíveis de outros setores da economia.  Quando taxas de desconto padronizadas (da ordem de 10% ao ano) são comparadas com os retornos do setor florestal (na ordem de 3% ao ano), o resultado é quase sempre o de sacrificar floresta para usos não sustentáveis mas que tem retornos maiores a curto prazo.  A loucura da escolha "lógica" deve ser óbvia.

 

        Maneiras de mudar a balan,a para favorecer o manejo sustentado incluem o uso de taxas de desconto mais baixas para julgar projetos florestais e.g. Row et al., 1981), ajustando os cálculos do valor presente para corrigir para aumentos esperados no valor de produtos florestais em relação a outras mercadorias (Overton & Hunt, 1974), aumentando o peso dado aos custos futuros (McDonald, 1981), e usar pre,os paralelos ("shadow prices") nos cálculos para refletir os benef'cios sociais do manejo florestal (Harou, 1984) e dar peso adicional aos custos irreversíveis, tal como, a extinção de espécies (Goodland et al., 1986).  Taxas de desconto separadas podem ser designadas para diferentes grupos na população para melhorar a capacidade de prever tanto a chance de sistemas a serem adotados (Hoekstra, 1985) quanto o valor normativo de identificar projetos para receber o apoio de órgãos do governo (Price & Nair, 1985).  Análises de custo e benefício podem fazer contribuições significativas para melhorar o processo de tomada de decisões desde que sejam corretas as designações de pre,os sociais para recursos e produtos, as definições de alternativas e os procedimentos para escolher entre elas (Price & Nair, 1984).  Na prática, no entanto, análises de custo/benefício (inclusive os seus métodos de desconto) são freqüentemente manipuladas para adicionar legitimidade aos projetos que já foram escolhidos por razões políticas ou outros fatores não admitidos (ver Price & Nair, 1984).  Ajustes das análises de custo/benefício para incorporar preocupações não financeiras raramente são feitos na prática: o simples cálculo de valor líquido presente permanece como a raiz da maior parte da tomada de decisões.  Mesmo as formulações melhoradas de cálculos de custo/benefício dependem do valor líquido atual; a sua maior sofisticação não altera a inadequação do valor líquido presente como base para decisões de política pública (para uma discussão excelente no contexto de exploração florestal nos Estados Unidos, ver Overton & Hunt, 1974).

 

        A taxa em que uma população de organismos, como as árvores de uma floresta, pode ser explorada para dar o retorno máximo sustentável, e a taxa m'xima em que a população pode ser explorada e ainda se sustentar, podem ser calculadas a partir da matriz de taxas de natalidade e mortalidade por classe etária, ou de matrizes parecidas com estas para populações de árvores usando classes de tamanho no lugar de idades (Jeffers, 1978: 52‑62).  Matrizes deste tipo têm sido desenvolvidas para algumas poucas espécies bem‑estudadas de árvores tropicais, tais como a Pentaclethra macroloba investigada por Hartshorn (1975) na Costa Rica.  Um modelo de matriz construído para florestas tropicais na Indon'sia manejadas sob um sistema exigido pelo governo mostra que o ciclo de 35 anos para colheitas no sistema é rápido demais para sustentar a produção atual depois do segundo ciclo (Mendonza & Setyarso, 1986).

 

        Sistemas de manejo exigem a execução consistente a longo prazo dos procedimentos, obtidos que regulaem a colheita e outras atividades.  Corrupção, mudan,as políticas e outros impedimentos podem facilmente inviabilizar os melhores planos de manejo.  Na Indonésia, por exemplo, a maioria das empresas com concessões de exploração florestal encontram maneiras para burlar o sistema de manejo (Eckholm, 1979: 23).  Na Nigéria, as mudanças políticas seguindo o fim da época colonial brit^nica em 1960, levaram ao desmatamento de muito dos 200.000 ha que estavam sendo manejados sob o "Tropical Shelterwood System", ou seja, o Sistema Tropical de Abrigo de Madeira (Lowe, 1977).  O sistema CELOS de manejo florestal em Suriname foi abandonado em 1983 depois de um golpe de estado (Graaf, s/d).

 

        Órgãos do governo apoiam quase universalmente o objectivo de manejo florestal sustentado, porém eles não agem de forma consistente com este ideal através de suas alocações orçamentárias ou outras ações concretas.  A iniciativa privada também não investiu no desenvolvimento e implantação de projetos deste tipo.  Madeireiros não gastam nenhum esfor,o para determinar as intensidades sustentáveis de uso ou para restringir as suas atividades conforme tais limites.  Embora, frequentemente lamentado como "irracional", este comportamento é, de fato, bastante lógico sob o atual sistema de regras de decisões econômicas.

 

        A lógica de desprezar os limites de colheita indicados por cálculos de produção sustentada fica mais clara no caso de um outro campo de manejo de recursos renováveis: a pesca e a caça de baleias.  No caso da baleia azul, estudos das populações tinham deixado claro há décadas o fato de que a taxa em que as baleias vinham sendo exploradas levaria a população ao fim dentro de poucos anos.  Ainda assim, as companhias continuavam a investir em navios de caça e de processamento de baleias, mesmo com pleno conhecimento de que elas seriam obrigadas a vender estes navios para sucata ou converter estes para outros usos, poucos anos mais tarde quando as baleias estariam já exterminadas.  A rentabilidade a curto prazo e o rápido desconto do investimento em equipamentos decorrente fizeram com que isto fosse financeiramente atraente.  As decisões de investimento não foram o resultado da "curta visão", nem tampouco da falta de conhecimento científico, mas sim do raciocínio frio e competente, baseado em uma lógica que precisa ser repensada.

 

        O desconto rápido de retornos futuros leva a decisões de explorar populações naturais a taxas não sustentáveis, levando à eliminação das populações e à extinção de espécies, quando a taxa de desconto é mais que duas vêzes o potencial máximo de reprodução da população (ver Clark, 1973a,b, 1976 para prova matemática).  A mesma relação pode ser colocada em termos de um ponto crítico no qual se torna "racional" investir em sistemas não sustentáveis ao invés de se investir nos sustentáveis, enquanto os lucros são investidos em outros empreendimentos em outros locais, assim que são ganhos.  Chega‑se ao ponto onde a razão entre a taxa líquida de lucro, a partir do manejo irresponsável, se torna maior ou igual a um "número dourado", derivado da taxa de retorno disponível de investimentos alternativos e do tempo para qual o empreendimento poderia ser mantido com lucro, caso ele fosse manejado de maneira não sustentável (ver Fife, 1971 para prova matemática).(1)

 

Propriedade Comum

 

        O uso irresponsável de recursos naturais potencialmente renováveis é encorajado ainda mais em muitas situações pelo que é conhecido pelos nomes "o dilema do recurso em comum", "o dilema do prisioneiro" e "a tragédia dos comuns" (Hardin, 1968).  Em casos, tais como a exploração de baleias, as nações, firmas e indivíduos independentes envolvidos abateram a população tão rápidamente quanto possível, ao invés de adotarem uma taxa de abate mais baixa (mas potencialmente sustent'vel): eles destruiram o recurso do propósito porque cada um percebeu que os outros o fariam de qualquer modo.  O mesmo dilema se aplica à exploração madeireira em terras públicas feita por firmas e indivíduos independentes, e em situações onde os custos dos impactos são largamente distribuidos, tais como, os mudanças climáticas devidos ao desmatamento, ou as tensões sociais resultantes da concentração da posse da terra.  Esta lógica aplica‑se mesmo que o custo total para a sociedade de qualquer uma das formas deste dito "manejo" da terra seja muito maior que o total dos benefícios.

 

Risco

 

        A aplicação do valor líquido presente é, muitas vezes, ainda mais falho devido ao peso incompleto dado aos riscos e incertezas.  Dado a importância das decisões em jogo, inclusive aquelas envolvendo o manejo sustentado da floresta, nossa falta de entendimento de processos de decisão é assustador.  Pouco tem sido feito no sentido de melhorar o nosso conhecimento sobre a maneira pela qual as pessoas tomam decisões que envolvem uma variação de probabilidades de diferentes resultados e graus de confiança variados na base de informações disponíveis.  O campo de análise de decisões explícita os cálculos envolvidos na ponderação destes efeitos, mas a entrada fundamental no cálculo, que é a "curva de indiferença ao risco" para aqueles que estão tomando as decisões, é difícil de quantificar e virtualmente não existe para os diversos tipos de atores que agora desempenham papéis na transformação de florestas tropicais em outros usos, sustentáveis ou não.

 

        Agricultores tradicionais, tais como os "caboclos" da Amaz^nia, são, normalmente, altamente aversos ao risco (Raiffa, 1971; Lipton, 1968 citado por Shanin, 1974: 72; Found, 1971: 108).  Muitas vêzes eles se comportam de maneiras que visam a aumentar a sua segurança na obtenção de uma colheita mínima aceitável, ao invés de pular em oportunidades que maximizam o valor monetário esperado do seu empreendimento, ao optar em usos da terra indicados como "racionais" pela simples aplicação de programação linear.  Na medida em que as oportunidades mercantis aumentam nas áreas de predominância de tomada de decisões orientadas à subsistência, um aumento rápido ocorre no papel desempenhado pelos esforços de maximizar os lucros ao custo de aceitar riscos maiores.  No Peru, por exemplo, agricultores tradicionais rapidamente tornaram‑se exploradores comerciais de madeira (com pouca consideração pela sustentabilidade) quando as oportunidades de transporte e de comercialização entraram na área amazônica (Durham, 1977).

 

        Em áreas de assentamento pioneiro, a mistura de diferentes estratégias de assumir riscos é bastante variada.  Enquanto uma série de tampões comportamentais protegem os colonos contra a variabilidade em sucesso agrícola de um ano para outro, muitas decisões observadas só podem ser descritos como jogos de azar, ou seja a aceitação por pessoas de altos riscos na esperança de obter um prêmio que de outra maneira estaria al'm de seu alcance (Fearnside, 1982). 

 

        Grandes empresas podem tomar riscos maiores em empreendimentos espec'ficos do que pequenos agricultores.  Mas, ao mesmo tempo, são as grandes firmas, em geral, que gastam em relação às firmas menores, uma proporção maior dos seus recursos em tentar assegurar a sua sobrevivência a longo prazo (Galbraith, 1972, ver Helliwell, 1977).  O manejo sustentável da floresta deve ser mais atraente para grandes firmas, já que a atração principal do manejo sustentável é a sua oferta de estabilidade a longo prazo, ao invés de lucros rápidos.  As grandes áreas necess'rias para garantir um ciclo adequado de colheita também se torna apropriada `s grandes operações.  É importante lembrar que grandes unidades de manejo não necessariamente excluem indiv'duos com recursos modestos, desde que tais pessoas possam se juntar em cooperativas para fins de manejo florestal, dado o apoio institucional adequado.

 

        Em termos de pesquisa, uma das maiores faltas é uma avaliação melhor dos riscos implícitos em diferentes projetos de manejo.  Não são disponíveis muitos dos dados essenciais à avaliação racional dos riscos: dados tão básicos quanto medidas pluviométricas ao longo de pelo menos alguns poucos anos são, muitas vezes, inexistentes para os locais em jogo.  Isto pode se tornar crítico em uma região onde a chuva varia muito entre locais próximos, e entre um ano e outro (Fearnside, 1984).  O exemplo clássico disto foi o grande fiasco brit^nico de plantio de amendoim na África, no início da década de 1950.  O projeto era baseado em médias pluviométricas adequadas para a cultura proposta, por'm desprezavam a alta variabilidade de um ano para outro.  A variabilidade nas chuvas, assim como outros fatores que afetam a produção, é um fator importante limitando a capacidade de suporte humano (Fearnside, 1986a).  Além da necessidade de melhores dados sobre a variabilidade, muito mais trabalho precisa ser feito sobre a maneira de se incorporar racionalmente este tipo de informação em decisões de planejamento, especialmente quando os riscos envolvidos não são limitados à possibilidade de perder‑se somente o dinheiro investido.

 

        Os planos de desenvolvimento muitas vezes desprezam a falta de aptidão dos fatores físicos no local mesmo quando existem dados (Fearnside, 1987a).  Este padrão é frequentemente explicado por fatores como a influência política da localidade escolhida, as recompensas financeiras para as firmas que constrõem estradas e outras infraestruturas ou que fornecem bens e serviços às atividades de construção, e os lucros especulativos para proprietários de terras nas áreas servidas por novas estradas e programas.  Desvios dos planos tecnicamente bem fundamentados, motivados por fatores deste tipo, pode ter altos custos financeiros, ambientais e humanos.

 

MANEJO FLORESTAL NA AMAZÔNIA

 

Brasil

 

        Atualmente nenhum sistema de manejo sustentado está operando numa escala comercial nas terras baixas da Amazônia.  Práticas comerciais de exploração florestal são revistas por Palmer (1977) e Rankin (1985).  O desenvolvimento de sistemas experimentais é ainda incipiente quando comparado com os programas de ensaio na Ásia e na África, porém as iniciativas de pesquisas está lentamente aumentando de frequência.  Levantamento de plântulas e arvoretas de regeneração natural em florestas amazônicas, seguido por ensaios experimentais de sistemas de manejo florestal, começaram em 1955 em Curuá‑Una (perto de Santarém‑Pará) sob um conv^nio entre o governo brasileiro e a Organização para Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO) (Pitt, 1961).  Em 1963 um ensaio foi implantado para testar o Sistema Tropical de Abrigo de Madeira, ou "Tropical Shelterwood System (TSS)", que foi originalmente desenvolvido pelos ingleses na Nigéria c.f. Lowe, 1977).  O sistema inclue a corte de cipós e de arvoretas não econômicas e o envenenamento de algumas das maiores árvores de esp'cies não econômicas alguns anos antes da colheita, seguido pela colheita seletiva e a remoção periódica de cipós e de "madeira de abrigo" (shelterwood) vários anos depois da colheita.  A manutenção de "madeira de abrigo", ou seja, de árvores que criam condições de sombra no sub‑bosque, mant'm um micro‑clima favorável para essencias de madeira de lei em todo o ciclo.  Os primeiros resultados são sumarizados por Dubois (1971); a regeneração natural permanece animadora durante o primeiro ciclo de crescimento (Rankin, 1979, 1985).  O programa de pesquisa sofreu uma década de abandono depois que o convênio terminou no início da década de 1960, porém foi retomado sob um convênio entre FAO e a Superintend^ncia do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) em 1973.  A avaliação dos testes após cerca de 5 anos de crescimento, comparando plantios de mudas de enriquecimento com a regeneração natural da mesma idade, impressionou a SUDAM com a superioridade do crescimento e da forma na regeneração natural (Pandolfo, 1985).  O grande custo de transportes, plantio e manutenção de um número significativo de mudas também é um fator importante a favor de sistemas baseados na regeneração natural (Rankin, 1979).  O termo "regeneração natural", como usado em um sistema de manejo florestal deste tipo, refere‑se ao crescimento de plântulas e arvoretas não plantadas, sob cobertura do dossel da floresta mais ou menos intacta: não se refere ao crescimento de vegetação secundária em áreas de corte raso que as vezes é eufemisticamente chamado pelo mesmo termo.

 

        Na Floresta Nacional da Amaz^nia (FLONA), no rio Tapajós, ensaios foram implantados pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) com exploração a diferentes intensidades (Carvalho, 1985; Galvão, 1985).  Os tratamentos silviculturais a serem aplicados nas parcelas durante o período de 20‑25 anos esperado entre as colheitas aparentemente ainda não tem sido escolhido, porém podem incluir o corte de cipós, eliminação de árvores de espécies comerciais que são mal formadas ou com outros defeitos, e a eliminação de algumas árvores não comerciais (Carvalho, 1985).  Com três anos de medidas de crescimento pós‑colheita, a taxa de aumento da área basal foi maior sob exploração mais leve (limite inferior para colheita = 55 cm DAP) do que exploração mais pesada (limite inferior para colheita = 45 cm DAP), quando apenas as espécies comerciais foram consideradas, mas se apresentou a tendência oposta quando a comparação foi feita para todas as espécies (Carvalho, 1985: 12).  A interpretação dos resultados é atrapalhada pela exploração não documentada da área antes do início dos estudos (ver Rankin, 1985).  Devido a lenta taxa em que as florestas recuperam os equilíbrios naturais, mesmo pertubações leves podem fazer com que estudos posteriores não produzam resultados válidos sobre os efeitos de tratamentos de manejo.  Efeitos de manejo sobre o crescimento de árvores grandes (em contraste com plântulas e arvoretas) são especialmente difíceis de se estabelecer sob estas circunstâncias; pertubações anteriores impediram o estabelecimento de relações deste tipo em estudos na Nigéria (Lowe, 1981).  A regeneração de plântulas após o corte seletivo é considerada como satisfatória nas experiências de FLONA (Carvalho, 1980, 1984), embora dados de um ciclo completo de colheita sejam necessários para confirmar a sustentabilidade do sistema (Rankin, 1985).

 

        No Projeto Jari, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e o IBDF instalaram em 1983 uma série de parcelas de 0,25 ha cada (Galvão, 1985).  O desenho das parcelas e as testemunhas são os mesmos que na FLONA, embora tenham menos parcelas (48 parcelas na Jari versus 144 na FLONA).  Uma das duas áreas experimentais na Jari (Felipe‑Amapá) estava sem pertubação ao iniciar os ensaios.

 

        O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) come,ou um estudo em uma "bacia modelo" localizada a 90 km ao norte de Manaus; crescimento e recrutamento, assim como os efeitos hidrológicos, serão monitoreados sob exploração em intensidades diferentes (Lowe, 1981).  Levantamentos dos estoques de plântulas (Higuchi et al., 1985) e de crescimento das árvores a curto prazo (Higuchi, 1987) tem sido realizadas em condição não pertubada, mas os tratamentos de manejo ainda não começaram.

 

        Florestas Rio Doce (a subsidiária florestal da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a qual está realizando o Projeto Ferro Carajás) iniciou uma experi^ncia de manejo florestal para a produção de carvão vegetal, em 1983, em Buriticupu‑Maranhão.  O projeto remove as árvores menores (que são melhores para a fabricação de carvão), junto com o sub‑bosque, em parcelas que são exploradas em níveis de intensidade diferentes (Jesus et al., 1986; s/d (1984); Thibau, 1985, 1986).  As experiências incluem tratamentos com corte raso e com exploração pesada que deixa apenas algumas poucas árvores espalhadas em um campo que de outra forma, sofreu o corte raso.  Em 1985, Carlos Eugênio Thibau, presidente da Florestas Rio Doce, Ltda., S.A., e projetor do estudo, ficou entusiasmado com o crescimento rápido da vegetação secundária nos tratamentos de corte raso e de corte quase raso.  Apesar de declarações posteriores de que o corte raso foi incluído no experimento, meramente, como uma segunda testemunha (Renato Moraes de Jesus, declaração pública, 1988), as apresentações escritas dos experimentos usam o termo "testemunha" exclusivamente com referência à floresta não pertubada, e apresentam um corte raso como o tratamento número três entre cinco tratamentos (Jesus et al., 1986: 246).  A adequação de considerar como "manejo florestal" uma pr'tica que remove toda a floresta é questionável.

 

        As experiências de manejo florestal em Buriticupu tem grande potencial para impacto sobre desmatamento na região devido as quest~es legais e sem^nticas relativas ao "manejo florestal", mais a enorme demanda para carv~o vegetal que está implícita nos projetos de produção de ferro‑gusa sendo implantados para beneficiamento de minério de Carajás (Fearnside, 1986b, 1987b,c, 1988a,b; Fearnside & Rankin, 1982).  O Código Florestal de 1965 (Decreto Lei 4.771, art. 44), que exige que 50% da superfície de qualquer propriedade permane,a sob cobertura florestal natural, tem sido reinterpretado pelo IBDF (Instrução Normativa 302 de 03/07/84) para permitir desmatamento para culturas anuais e pastagens em 20% de cada propriedade e "manejo florestal" nos 80% restantes (Decreto Lei 7.511 de 07/07/86 modifica isso para proibir o desmatamento, porém permite o "manejo florestal").  Caso em que o "manejo florestal" seja interpretado para incluir o corte raso, seguido por deixar a 'rea formar uma vegetação secundária, mesmo que (pelo menos teoricamente) visando colheitas posteriores, então os obstáculos legais teriam sido removidos ao desmatamento rápido para produção de ferro‑gusa em terras particulares e em concess~es arrendadas a firmas que exploram as florestas nacionais brasileiras. Presumindo‑se que as produções sejam iguais às das plantações de Eucalyptus deglupta do Projeto Jari, uma plantação de Eucalyptus de quase 10 vezes a área da área de plantações manejadas seria necessária para fornecer o carvão para as 20 usinas de ferro‑gusa e quatro outras industrias planejadas para a região de Carajás (Fearnside, 1988a,b).  O grande custo e muitos problemas biológicos associados com plantações desta diminui,~o fazem com que seja provável que a floresta nativa seja cortada antes de fazer este tipo de investimento (ver Fearnside & Rankin, 1979, 1980, 1982, 1984, 1985).  Adotar o "manejo florestal" como eufemismo para o corte raso aceleraria este processo.

 

        Em 1984 Florestas Rio Doce replicou em Porto Trombetas‑Pará o desenho experimental de Buriticupu (Jesus, s/d. (1984), Jesus et al., s/d ca. 1986)).  O projeto visa a produção de lenha para uso na secagem do min'rio de bauxita da Mineração Rio do Norte (CVRD/ALCAN).  Uma outra modificação dos experimentos tem sido implantada em parte da área de 17.000 ha da CVRD visando a produção de carvão vegetal e madeira serrada (Jesus & Menandro, s/d  ca. 1986).  O custo muito menor de se obter madeira de corte da floresta nativa, em comparação com planta,~es silviculturais, dá forte motivo para aproveitar esta fonte de biomassa mesmo que a sustentabilidade a longo prazo ainda não tenha sido demonstrada (Fearnside, 1988a).

 

Suriname

 

        Em Suriname o Sistema de Uniforme Malasiano foi testado nos anos de 1950.  O sistema exige o envenenamento de praticamente todas as árvores grandes que ficam depois da colheita comercial (para que o crescimento de plântulas e arvoretas sejam estimulado), resultou em uma explosão de cipós e espécies indesejáveis de floresta secundária (capoeira) quando aplicado em Suriname (Jonkers & Schmidt, 1984).  Diferente das florestas do Sudeste da Ásia, que são dominadas por espécies de madeira de lei, da família Dipterocarpaceae, as florestas da América do Sul são compostas, na maior parte, por espécie de pouco valor nos mercados madeireiros de hoje.  A remoção das muitas espécies não comerciais aumenta radicalmente a quantidade de luz que chega ao solo na floresta, assim favorecendo as espécies sem valor.

 

        Desde 1967 os pesquisadores do Suriname desenvolveram um outro sistema de manejo: o sistema silvicultural CELOS (Boxman et al., 1985; Jonkers & Schmidt, 1984).  Após a exploração seletiva da madeira, aproximadamente a metade da biomassa da floresta remanescente é morta pelo envenenamento das árvores não comerciais com diâmetro acima de um certo limite (35 cm no Suriname), para favorecer o crescimento das árvores comerciais que estão chegando perto do tamanho mínimo para a colheita.  Uma modificação posterior do sistema restringe o envenenamento as árvores dentro de um raio de 10 m das árvores comerciais cujos crescimentos est~o para serem favorecidos (Boxman et al., 1985).  Os projetistas do sistema esperam obter uma colheita madeireira de 40 m3/ha a cada 20 anos, embora eles avisem que o monitoramento a longo prazo ser' necessário para confirmar que a produtividade não vai sofrer uma redução devido a saída de nutrientes que foi observadas nos igarapés saindo das parcelas tratadas (Jonkers & Schmidt, 1984: 296).

 

Guiana Francesa

 

        Em 1982 come,ou na Guiana Francesa testes para um sistema de manejo que consiste de colheita seletivas em intensidades diferentes, para produção de madeira serrada, lenha ou ambos, seguido pelo envenenamento de árvores não comerciais (Bariteau, 1986; Maitre et al., 1984; Sarrailh & Schmitt, 1984).  O sistema é baseado em pesquisas prévias realizadas na Costa do Marfim, e é semelhante ao sistema CELOS no Suriname.  Os incrementos de diâmetro mensurados na floresta não pertubada na Guiana Francesa (6,20 mm/ano) e no primeiro ano após o tratamento (9,50 mm/ano) levam os pesquisadores a serem otimistas sobre as prospectivas do trabalho levar a um sistema economicamente viável de produção sustentada (Schmitt, s/d (1984)).  Os pesquisadores na Guiana Francesa enfatizam a semelhan,a dos efeitos dos tratamentos aos encontrados no Suriname, onde os di^metros m'dios das espécies comerciais em floresta seletivamente explorada cresceram a 4 mm/ano sem tratamento e 9‑10 mm/ano sob o sistema CELOS (Jonkers & Schmidt, 1984).

 

Perú

 

        No Peru a aplicação do plano de manejo chamado "Sistema de Faixas Protetoras" come,ou em 1982 no Projeto Piches‑Palcazú, localizado em um vale de 20 x 70 km nas ladeiras da base dos Andes, em altitudes de 270‑500 m (Hartshorn et al., 1985).  O sistema visa o corte raso de faixas de floresta de 20‑35 m de largura, seguindo o contorno do vale.  As faixas cortadas em anos sucessivos seriam a uma distância de, no mínimo, 200 m uma da outra, e a rotação planejada voltaria a cada faixa em intervalos de 30 anos.  Um sistema semelhante tem sido sugerido por Jordan (1982, 1985: 154) como meio de acelerar a sucessão em faixas colhidas.  Embora seja cedo demais para avaliar a sustentabilidade do sistema, o primeiro ciclo de colheita tem dado lucro e a equipe de pesquisa está entusiasmada sobre o potencial do sistema para aplicação mais ampla (Hartshorn et al., 1985, 1986).

 

Políticas de Desenvolvimento

 

        A crescente frequência das iniciativas de pesquisas voltadas ao desenvolvimento de sistemas sustentados para manejar a floresta amazônica é animadora.  Ainda assim, as verbas alocadas à pesquisa nesta área são mínimas frente a importância do recurso em jogo.  O desmatamento rápido na Amazônia, especialmente para pastagens não sustentáveis, significa que os tomadores de decisões provavelmente serão forçados a agir sobre projetos de manejo florestal sem ter resultados de testes de longa duração.  Dois grandes programas deste tipo tem sido propostos no Brasil: as "florestas de rendimento", propostas pela SUDAM (Pandolfo, 1978) e os contratos de utilização florestal ou "contratos de risco" da FAO e IBDF (Schmith"sen, 1978; ver Fearnside, 1986a: 33‑34).  Os programas de manejo a serem aplicados são vagos em ambos os casos: como Mauro Silva Reis, ent~o diretor do hoje extinto Projeto para Desenvolvimento e Pesquisa Florestal (PRODEPEF), observou: "na verdade, um sistema de produção autosustenta da floresta tropical densa, para fins industriais, baseado no modelo aqui considerado, ainda não foi desenvolvido" (Reis, 1978: 14).  Nenhum destes programas tem ido para frente: além das incertezas técnicas, existe pouco interesse comercial: os projetos exigiriam pesadas despesas governamentais, e, no caso do plano para "contratos de risco", o envolvimento proposto de empresas madeireiras estrangeiras provocou uma oposição ampla.

 

        Em 1986 o IBDF come,ou a exigir a entrega de um "plano de manejo" aceitável, como condição para concessão de licenças de exploração.  Aumentando a confusão sobre do que consiste um "plano de manejo" é a falta de resultados de pesquisa que é a herança da baixa prioridade que este campo tem recebido.  As mesmas forças econômicas que explicam a ausência de sistemas comerciais de manejo sustentados na Amazônia hoje podem levar empresários a tentar encontrar desvios para burlar os novos regulamentos.  O sistema informal de "jeitos" no Brasil faz com que seja díficil fazer cumprir regulamentos deste tipo (Rosenn, 1971).  Na ausência de mudanças na base de cálculos econômicos, o motivo sempre será forte para desviar dos novos regulamentos do "plano de manejo".

 

        Até que o ponto as interven,~es de manejo devem pertubar o ecossistema natural é um assunto de muita controvérsia e apresenta muitas oportunidades para a dupla fala Orwelliana.  O "manejo sustentado" e a "regeneração natural" levantam uma imagem de um aproveitamento, inócuo ao meio ambiente, do potencial produtivo da floresta.  É sempre possível, no entanto, "destruir a floresta para poder salvá‑la", por ir longe demais no continuum do aumento de intensidade de manejo, por exemplo, o envenenamento de uma grande proporção das árvores na floresta Amazônica pode maximizar a produção comercial de madeira, mas cortaria muitos dos fluxos ecológicos pouco entendidos e sacrificaria produtos ainda não conhecidos e/ou não explorados tais como material genético e produtos farmacêuticos.  O crescente valor e a impossibilidade de substituir de muitos dos benef'cios em potencial do uso da floresta pode significar que a intervenção deve ser restrita a uma intensidade abaixo daquela indicado somente pelas considerações de manejo madeireiro.  A determinação da resposta de produção madeireira a diferentes intensidades de manejo, e as mudanças ecológicas provocadas a cada intensidade, devem ser prioridades urgentes.  Decisões racionais exigirão também a avaliação dos muitos produtos não madeireiros da floresta, o conhecimento dos quais está rapidamente sendo perdido com o desaparecimento e aculturação das tribos indígenas.

 

ALTERNATIVAS AOS CRITÉRIOS ATUAIS

 

        Em outra publicação (Fearnside, 1986c), uma série de diretrizes têm sido propostas para se avaliar 14 classes de usos da terra, inclusive o manejo sustentado da floresta.  Nove critérios foram considerados: sustentabilidade agronômica, sustentabilidade social, competitividade econômica não subsidiada, auto‑suficiência, alcance de metas sociais, consistência com a manutenção de áreas adjacentes em outros usos, retenção de opções de desenvolvimento, efeitos sobre outros recursos e efeitos macro‑ecológicos.  Os conflitos entre estes critérios muitas vezes destacam inconsistências fundamentais entre as metas dos planejadores de desenvolvimento (Fearnside, 1988c).  Enquanto alguns conflitos de interesse não são solucionados, muitas necessidades e demandas divergentes podem ser atendidas através de uma estratégia de planejamento voltado à produção de uma malha de usos da terra onde diferentes crit'rios ambientais e sociais seriam aplicados (Odum, 1969; ver Eden, 1978; Fearnside, 1979; Margalef, 1968).

 

        O papel do valor líquido presente como critério na tomada de decisões econômicas, em todos os níveis, é básico na atual conjuntura onde nem os orgãos governamentais de pesquisa e finança, nem as empresas privadas, estão dispostos em investir mais do que valores simbólicos no desenvolvimento e na aplicação de sistemas de manejo florestal sustentado.  Embora não disponha de nenhuma fórmula que possa ser oferecido como a solução ao problema da substituição deste critério, algumas sugestões poderiam ser feitas no sentido de como se começar a abordar o problema.  Projetos deveriam ser avaliados na base de suas contribuições ao bem‑estar dos atuais residentes na região amazônica e aos seus descendentes.  Os benefícios devem ser gozados por todas as camadas da sociedade, e pelas gera,~es futuras assim como a atual.  A limitação do planejamento aos residentes atuais da Amazônia, e aos seus descendentes, reconhece a inabilidade da região de oferecer soluções aos problemas sócio‑econômicos de outros países ou de outras regiões do Brasil.  Estes são problemas que devem ser reconhecidos e resolvidos dentro daquelas outras regiões, e não adiados pela combinação de expulsar imigrantes para a Amazônia e a remoção de produtos comercializáveis para o benefício dos não residentes.  O reconhecimento destes limites permitiria a realização da maior aspiração na região, ou seja a possibilidade de se produzir sistemas sustentáveis que atenderiam às necessidades locais durante os séculos vindouros.  As restrições sobre as opções de desenvolvimento devem incluir a limitação de efeitos macro‑ecológicos, tais como mudan,as climáticas, a realização de uma distribuição definida de renda e a manutenção da população humana dentro dos limites de capacidade de suporte.  Uma abordagem na tomada de decisões que reconhe,a melhor o valor do ser humano, baseada nestas provisões, assuntos tais como a escolha de essências florestais e técnicas de manejo serão resolvidos automaticamente, sendo que os esforços da nação estariam focalizados sobre estas barreiras técnicas, ainda remanescentes, sobre o manejo sustentado.  No entanto, até que os processos fundamentais de tomada de decisões econômicas sejam mudados, nenhuma quantidade de pesquisa sobre as técnicas de manejo deve ser esperada para alterar o que é agora o fato mais saliente sobre o manejo sustentado em florestas amazônicas: que ninguém o faz.

 


NOTAS

 

(1) O manejo irresponsável se torna "racional" quando:

 

 

                                   ralt. t

         Nirresp.                   e

 

       ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑     _    ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

                                    ralt. t

         Nresp.                     e          1

 

 

Onde : Nirresp. =  a taxa de retorno de manejo

                  irresponsável (não sustentável) em

                  dinheiro e.g. OTNs) por ano.

       Nresp.   = a taxa de retorno de manejo

                  responsável (sustentável) em

                  dinheiro e.g. OTNs) por ano.

       ralt.    = a taxa de juros (dividendo) sobre

                  investimentos disponáveis, em dinheiro

                  e.g. OTNs) por unidade de dinheiro 

                  por ano.

       t        = o tempo pelo qual o recurso possa ser explorado com lucro sob manejo irresponsável (anos)

       e        = a base dos logaritmos naturais (2,l7l28...)

 


AGRADECIMENTOS

 

        A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) forneceu verbas para possibilitar a apresentação de uma versão anterior deste trabalho no "1o Seminário Internacional sobre Manejo em Floresta Tropical", Serra dos Carajás e São Luis, 28 de janeiro ‑ 01 de fevereiro de 1985.  Uma versão em inglês será publicado em Forest Ecology and Management (Fearnside, 1989).  Agrade,o à Elsevier Science Publishers B.V. pela permissão de publicar esta tradução.  J.M. Robinson, Neusa Hamada, Niwton Leal Filho, Paulo Maurício Lima de Alencastro Graça, Fernando José Alves Rodrigues, e Summer Wilson fizeram comentários sobre o manuscrito.

 

 

 

 


TABELA 1

Exemplo dos cálculos do valor presente líquido (VPL) que favorecem a destruição dos recursos

‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑­‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

     VALOR NUMA DATA FUTURA        VALOR PRESENTE          VALOR PRESENTE

      (taxa de desconto =      (taxa de desconto =        (taxa de desconto =

         0%/ano)                    3%/ano)                  10%/ano)

‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

   Ano  Custo   Bene‑   Ganho   Custo    Bene‑   Ganho   Custo   Bene‑  Ganho

                fício                    fício                   fício

‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

    1    50,00   130,00  80,00   50,00   130,00   80,00   50,00  130,00  80,00

    2     0,00     0,00   0,00    0,00     0,00    0,00    0,00    0,00   0,00

    3     0,00     0,00   0,00    0,00     0,00    0,00    0,00    0,00   0,00

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

  100     0,00     0,00   0,00    0,00     0,00    0,00    0,00    0,00   0,00

 

                Total  = 80,00      Total (VPL) = 80,00    Total (VPL) = 80,00

 

  ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑   ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

    1    10,00    13,00   3,00   10,00    13,00    3,00   10,00   13,00   3,00

    2    10,00    13,00   3,00    9,71    12,62    2,91    9,09   11,82   2,73

    3    10,00    13,00   3,00    9,43    12,25    2,83    8,26   10,74   2,48

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

    .      .        .      .       .        .       .       .       .      .

  100    10,00    13,00   3,00    0,54     0,70    0,16    0,00    0,00   0,00

 

               Total =  300,00      Total (VPL) = 97,64    Total (VPL) = 33,03

‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑­‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑

 

 

 

 


LITERATURA CITADA

 

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