PERSPECTIVAS PARA
DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO EM FLORESTAS TROPICAIS
Philip M. Fearnside
Departamento de
Ecologia
Instituto Nacional de
Pesquisas
da Amazônia (INPA)
C.P. 478
69011 Manaus, Amazonas
Publicado: Ciência e Movimento 1(0):
5-11. (1989)
Contribuição para: Segunda Semana do Meio
Ambiente, 05 a 09 de dezembro de 1988, Centro de Energia Nuclear na Agricultura
(CENA), Piracicaba‑São Paulo.
18 abril de 1989
RESUMO
Agricultores, fazendeiros, madeireiros e
outros estão rapidamente desmatando as florestas tropicais para implantarem
usos da terra não sustentáveis. Mudar
este padrão exigirá diminuir, e em algum ponto parar, o desmatamento, que
destroi a opção para sistemas promissores de manejo sustentado da floresta e
extração de produtos florestais não madeireiros. As abordagens mais promissoras para fazer a
agricultura sustentável mantém a cobertura arborea, utilizam uma alta
diversidade de espécies, e usam quantidades mínimas de insumos externos de
nutrientes e energia. Políticas
econômicas devem ser adotadas que favore,erem usos sustentáveis, além do
aperfeiçoamento das próprias tecnologias produtivas.
SUMMARY:
PROSPECTS FOR SUSTAINABLE AGRICULTURAL DEVELOPMENT IN TROPICAL FORESTS
Farmers,
ranchers, loggers and others are quickly clearing tropical forests for non‑sustainable
land uses. Changing this pattern will
require slowing and eventually halting deforestation, which destroys the option
for promising systems of sustained forest management and extraction of non‑wood
forest products. The most promising
approaches to making agriculture sustainable maintain tree cover, use a high
diversity of species and use minimal outside inputs of nutrients and energy.
Economic policies must be adopted which favor sustainable uses, in addition to
perfection of the production technologies themselves.
Florestas tropicais estão rapidamente
desaparecendo no mundo inteiro. A área
climaticamente apropriada para florestas úmidas tropicais cobre aproximadamente
16 X 109 km2, porem a extensão das florestas em 1979 foi
estimada em apenas 7,5 X 102 km2, dos quais 13% se
encontravam na Ásia, 21% na África e 66% nas Américas (calculado a partir de
Myers, 1980). Estas áreas seriam muito
mais reduzidas hoje. A última grande
extensão destas florestas remanescente está localizada na Amazônia,
especialmente nos dois‑terços da bacia hidrogr'fica amazônica localizados
no Brasil (Figura 1).
Florestas tropicais são derrubadas por raãoes
diferentes em diferentes países e regiões.
A importância relativa de pequenos agricultores (distintos de grandes
fazendeiros e empresas agrícolas) varia radicalmente entre locais (Fearnside,
1984). Grandes fazendas, motivadas mais
pelo ganho potencial da especulação imobiliária e dos subsídios generosos do
governo do que pelas perspectivas de produção bovina tem dominado o quadro em
muitas partes da Amazônia brasileira onde vem ocorrendo desmatamento rápido em
anos recentes (Fearnside, 1979, 1988a; Hecht, 1985; Hecht et al.,
1988). Em áreas de assentamentos
organizados pelo governo e nas vizinhanças de novas estradas, tais como nas áreas
desmatadas em fase de crescimento explosivo em Rondônia, predominam os pequenos
agricultores. Nas partes amazônicas do
Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela, pequenos agricultores são
relativamente mais importantes como agentes de desmatamento do que no
Brasil. Na África e no sudeste da 'sia,
pequenos agricultores fazem a maioria do corte raso da floresta, porém a sua
entrada na floresta é em grande parte facilitada por estradas construídas pelas
firmas madeireiras. A exploração madereira
tem sido uma perturbação muito mais significante no sudeste da Ásia at' agora,
isto por que a maioria das esp'cies encontradas nas suas florestas são mais
valorizadas pelos mercados internacionais de madeira tropical do que as espécies
amazônicas. Esta situação já está
mudando com o aumento de preços de madeiras tropicais a partir de 1983. O impacto da exploração madeireira na
Amazônia, já em rápida expansão, deverá se tornar muito maior quando volumes
comercialmente significativos de madeira não forem mais disponíveis na Ásia, e
as firmas internacionais focalizarem a Amazônia. Os estoques madeireiros da África já estão
praticamente esgotados. A exploração
madeireira na Ásia e na África tem removido seletivamente as espécies mais
valiosas, deixando o restante da floresta altamente perturbado tanto pela perda
das árvores valiosas como pelo dano feito às árvores não comerciáveis e ao sub‑bosque
durante as operações de exploração. Tais
perturbações fortes constituem uma forma de "conversão florestal" menos
dramática do que o "desmatamento" que predomina hoje na América
Latina.
Muito do desmatamento tem as suas raízes
nas pressões que levam à migração nas áreas florestais. Exemplos incluem a transmigração na Indonésia
para as ilhas de Sumatra, Sulawesi e Borneo a partir das ilhas superpopuladas
de Java, Bali e Madura; migração para as terras baixas na Amazônia a partir das
'reas andinas de Bolívia, Peru e Equador; e migração para a região amazônica do
Brasil a partir das regiões sul, centro‑oeste e nordeste do país. Estas migrações são muitas vezes aceleradas
por verbas dos bancos multilaterais de desenvolvimento (Fearnside, 1987a). No Brasil, o processo tem sido acelerado pela
rodovia BR‑364 que foi reconstruída e asfaltada em 1984 com financiamento
do Banco Mundial para abrir Rondônia à migração sob o projeto POLONOROESTE, e
mais recentemente pela extensão de uma estrada melhorada para o Acre com
financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Em janeiro de
1989, depois da obra estar quase pronta, o empréstimo para o trecho Porto Velho‑Rio
Branco foi cancelado devido à indisposição do Brasil cumprir os acordos com o
BID relativos à demarcação de reservas indígenas). Na Indonésia, o programa em andamento para
transferir milhões de colonos para áreas de floresta tem recebido uma série de
empréstimos do Banco Mundial, assim como tem recebido o programa menos
conhecido de estabelecer trabalhadores em grandes propriedades de plantação de
culturas perenes.
O efeito do financiamento internacional é,
muitas vezes, menos direto, como é o caso quando a infraestrutura implantada
para um projeto é também utilizada para outras iniciativas mais destrutivas do
que a primeira. Este é o caso no Brasil
do Programa Grande Carajás, onde uma ferrovia na Amazônia oriental, completada
em 1984 com financiamento do Banco Mundial para o projeto de mineração de ferro
em Carajás serve como espinha dorsal de um plano maciço de desenvolvimento
regional que inclui a produção de ferro‑gusa usando carvão vegetal obtido
da floresta (Fearnside, 1986a, 1987a, 1988b,c).
Os Impactos do
Desmatamento
A maior parte das florestas tropicais são
convertidas em usos da terra que se tornam não sustent'veis ap's poucos
anos. Uma vez destru'das, é pouco provável
as florestas que conhecemos hoje retornem em qualquer escala significativa. As communidades biológicas na Amazônia são
altamente diversas de espécies animais e vegetais, e cujas interações complexas
são essenciais à capacidade de cada uma para sobreviver e reproduzir. O re‑estabilecimento de florestas
tropicais também é impedido pela perda de nutrientes quando o corte‑raso
ou outra perturbação drástica quebra os mecanismos eficientes de ciclagem de
nutrientes da floresta e permite que estes elementos sejam perdidos através de
queimada, lixiviação e erosão do solo.
Muitas florestas tropicais, tais como as na Amazônia, se encontram em
solos muito pobres. Diferentes dos
ecossistemas da zona temperada, as florestas tropicais são especialmente vulneráveis
às perdas de nutrientes porque a maioria do seu estoque destes elementos fica
mantida na vegetação ao invés do solo (Vitousek & Sanford, 1986). Antes mesmo que o esgotamento de nutrientes
seja limitantes, pode ser impedida a sucessão pelo microclima nas pastagens, desforável
ao estabelecimento de arvoretas de espécies florestais, assim como pela falta
de fontes de sementes para estas esp'cies (Uhl et al., 1988).
O desmatamento fecha a porta a muitos usos
potencialmente sustentáveis da floresta.
A extração de pequenas quantidades de produtos de alto valor que somente
podem ser obtidos da floresta, tais como compostos farmaceuticos, é uma maneira
de uso da floresta que já se sabe ser sustentável. A maioria dos produtos que potencialmente
podem ser produzidos de forma sustentável pela floresta não são nem sequer
conhecidos pela economia comercial, mas sim pelos povos indígenas que moram na
floresta (Myers, 1986). O conhecimento
destes usos está sendo rapidamente perdido na medida em que as culturas nativas
estão sendo destruidas, o que é um processo intimamente ligado ao
desmatamento. A velocidade de conversão
da floresta e a irreversibilidade das perdas causadas por este processo
significam que qualquer estrat'gia para promover usos sustentáveis tem que
começar com providências imediatas para reduzir a perda da floresta.
O efeito
estufa é uma ameaça real
Desmatamento traz o perigo de impactos
severos sobre o clima e o meio ambiente a nível global, caso as tendências
atuais continuem as mesmas. O
aquecimento global causado pelo efeito estufa, provocado por dióxido de carbono
(CO2) e gazes traços, receberia uma contribuição substancial do
desmatamento se a Amazônia fosse convertida em pastagens. Se esta conversão fosse ocorrer ao longo de
50 anos, o aumento anual de carbono lançado representaria por volta de 20% do
lançamento atual a partir da queima de combustíveis fósseis no mundo
(Fearnside, 1985a, 1986b, 1987b).
Impacto sobre as chuvas, através de
evapotranspiração reduzida, é uma outra grande preocupação. O ciclo hidrológico da Amazônia e de regiões
vizinhas depende da água reciclada através da floresta para uma parte
substancial da precipitação que cai, especialmente durante a estação seca
(Eagelson, 1986; Salati et al., 1979; Salati & Vose, 1984). Caso a época seca fique mais longa como
resultado do desmatamento, como seria esperado, a alta variabilidade natural
das chuvas na Amazônia poderia levar a uma seca muito severa de vez em quando,
matando muitas das espécies de árvores mais sensíveis e começando um processo
de retroalimentação positiva que degradaria o restante da floresta (Fearnside,
1985b). A entrada de fogo nas florestas
danificadas poderia acelerar muito a destruição dos restos, como ocorreu em
Borneo durante a seca de El Niño de 1982‑1983 (Malingreau et al.,
1985).
Quando florestas tropicais são cortadas,
praticamente toda a terra recentemente desmatada é usada para sistemas não
sustentáveis de produção. Na Indonésia,
agricultura em terra firme se torna inviável após 5 a 7 anos, quando as roças
são invadidas pela gram'nea altamente agressiva Imperata cylindrica. Em muitas áreas da África, agricultura
intinerante é praticada por pequenos agricultores na floresta, porém o ciclo
utilizado é acelerado e não deixa a terra em pousio durante um tempo suficiente
para regenerar a qualidade do solo e manter a produtividade das culturas. No Brasil, agricultores pioneiros utilizam a
agricultura de corte e queima para plantar culturas anuais tais como arroz de sequeiro
durante 1 ou 2 anos após o corte da floresta; depois, ao invés de deixar a roça
em pousio de capoeira lenhosa, eles normalmente plantam a pastagem. Grandes fazendeiros plantam o capim
diretamente após a derrubada e queima da floresta.
A produção de capim nas pastagens diminui como
resultado da queda nos níveis de fósforo assimilável no solo, compactação do
solo e invasão por ervas daninhas não comestíveis (Buschbacher, 1986;
Fearnside, 1980; Hecht, 1985). Depois de
aproximadamente uma década, a produtividade de capim diminui, e se torna
insuficiente para justificar os custos de manutenção para controlar as
invasoras. Nesta altura, a terra
normalmente é abandonada para capoeira, embora, em alguns casos, as pastagens
sejam adubadas e replantadas. O replantio é quase sempre dependente da
disponibilidade de subsídios governamentais, ou da presença de motivos
ulteriores, tais como o desejo de demonstrar a produtividade da fazenda para
evitar a expropriação da terra para fins de reforma agrária. A situação normal é o abandono, e é provável
que este continue sendo o caso devido aos limites que recursos financeiros e físicos
impõe sobre a área a ser fertilizada. O
crescimento de vegetação em pastagens degradadas e abandonadas é muito mais
lento do que o crescimento seguindo agricultura itinerante.
Muitos fatores limitam as opções para uso
da terra em áreas de floresta tropical.
Usos da terra precisam ser agronomicamente viáveis dado as restrições
apresentadas pelo clima e pelo solo. Tem
que ser compatíveis com as limitações culturais (Fearnside, 1985c, s/d‑a). Por exemplo, mesmo se fosse agronomicamente
viável transformar vastas áreas de Amazônia em campos de arroz irrigado
similares àqueles da Ásia tropical, diferenças culturais entre a Ásia e a América
do Sul fazem com que seja pouco provável que qualquer alteração radical do
comportamento agrícola possa acontecer na escala de tempo que seria relevante
ao choque iminente entre o crescimento populacional e a capacidade de suporte
humano da região (Fearnside, s/d‑b, s/d‑c).
No Brasil um forte mito popular sustenta
que a Amazônia tem superfície e potencial agrícola, tanto que o Presidente José
Sarney adotou o slogan que "o país que tem a Amazônia não tem direito a
temer o futuro". Este mito
apresenta um impedimento ` tomada de ações para parar o desmatamento,
solucionar problemas sociais em regiões não‑amazônicas do país, que estão
sendo temporariamente adiados pelo desvio do fluxo de população para a Amazônia,
e enfrentar o desafio tecnológico e social de desenvolver e promover usos
sustentáveis para florestas tropicais (Fearnside, s/d‑a).
A vasta escala da Amazônia coloca
limitações severas sobre os tipos de sistemas potencialmente sustentáveis que
possam ser promovidos. Pode se empregar
uma agricultura intensiva que exige altos níveis de insumos desde que apenas
uma pequena área esteja desenvolvida desta forma. Rapidamente se chega nos limites dos recursos
financeiros e físicos, tais como os fosfatos.
Jazidas deste mineral são quase inexistentes na região amazônica, e portanto
este insumo vital teria que ser transportado de longe se fosse para sustentar
agricultura ou pastagens com base em adubação.
Os preços nos mercados internacionais de mercadorias restringem as
escolhas: a conversão de qualquer fração significativa da Amazônia para
qualquer dada cultura deixaria os agricultores sem como vender as usas
safras. Os mercados são especialmente
limitados para culturas perenes, que tem melhores pespectivas para
sustentabilidade do que culturas anuais ou pastagens. A expansão de pastagens, que tem as piores
perspectivas para uma produção sustentável (ver Goodland, 1980; Fearnside,
1986c) não está sendo atualmente limitada pela disponibilidade de mercados.
A maneira em que se faz atualmente os cálculos
financeiros, na avaliação de opções de desenvolvimento, vai contra muitos dos
usos potencialmente sustentáveis da floresta.
Usos não‑sustentáveis são indicados como sendo mais lucrativos
devido ao desconto rápido dos custos e benefícios futuros. A taxa em que se pode gerar produtos
comerciáveis de árvores florestais, por exemplo, é controlada pelas taxas biológicas
que limitam o crescimento de cada esp'cie; estas taxas não têm nada a ver com
os retornos que possam ser obtidos a partir de alternativas para os
investidores. A taxa de desconto que se
aplica nos cálculos financeiros, derivada das taxas de retorno disponíveis na
economia como um todo, normalmente são muito maiores do que as taxas sustentáveis
de produção, fazendo com que a exploração destrutiva seja perfeitamente
racional enquanto se emprega esta forma de avaliar projetos. Não apenas se deve deixar de descontar o
futuro de forma tão brutal, é preciso também dar valores apropriados `s funções
ambientais desempenhadas pela floresta e aos produtos que somente ela pode
produzir (Fearnside, 1989; Leslie, 1987).
A situação
atual: O Projeto Jari
Várias abordagens tem sido tomadas no
desenvolvimento de sistemas sustentáveis para áreas de floresta tropical. Pesados insumos de adubos e de agrotóxicos
são usados em um sistema para cultivo contínuo de lavouras anuais, em fase de
testes, em Yurimaguas, Peru (Sánchez et al., 1982; Nicholaides et al.,
1985). Este sistema, chamado de
"tecnologia de Yurimaguas" pelos seus projetores, é improvável a ser
adotado em escala significativa pelos agricultores na Amazônia devido a s'rios
problemas agronômicos, econômicos, institucionais e de suprimento de recursos
(Fearnside, 1987c). Sistemas de baixos
insumos atualmente sendo desenvolvidos pelo mesmo grupo de pesquisa tem melhores
perspectivas do que o sistema mais antigo de insumos altos (Sánchez &
Benites, 1987).
Culturas anuais foram plantadas em
monoculturas de escala industrial no projeto Jari em campos de arroz irrigado estabelecidos
na várzea amazônica (Fearnside & Rankin, 1980, 1984, 1985). Em abril de 1988 as empresas acionistas do
empreendimento decidiram abandonar a produção de arroz na área. Este sistema mecanizado tem encontrado uma série
de problemas com pragas e doenças, que tem, até agora, sido combatidos através
de trocas de variedades de arroz e com tratamentos químicos. Altos custos e riscos, junto com as
características técnicas do empreendimento da Jari, fazem com que repetições em
grande escala destas técnicas em empreendimentos similares seja pouco provável.
Culturas perenes arbóreas são preferíveis às
culturas anuais porque ofereçem maior proteção contra a erosão do solo, elas
reciclam nutrientes com mais eficiência e, sendo árvores, elas desempenham pelo
menos algumas das funções ambientais da floresta. Doenças constituem uma limitação séria sobre
muitas culturas perenes na Amazônia. O
cacau é severamente atacado pelo fungo da vassoura de bruxa Crinipellis
perniciosa) em toda a Amazônia. A
seringueira é atacada pelo fungo do mal das folhas Microcyclus ulei) em
plantações. O dendê era para ser
espalhado em grande escala na região, porém os planos de expansão foram
suspensos em 1987 quando a podridão de lança (uma doença viral presente no
Suriname) subitamente se tornou um problema em plantações perto a Belém,
matando até 4.000 árvores por mês. Uma
maior diversidade seria desej'vel em sistemas de culturas perenes, em parte
como proteção contra surgimento de pragas e doenças (Altieri et al.,
1983; Ewel, 1986).
Plantações silviculturais também correm um
alto risco de sofrerem perdas pelas pragas e doenças quando transformado em
vastas monoculturas. O maciço projeto
Jari, iniciado por D.K. Ludwig, visando principalmente plantios silviculturais
para produção de celulose, tem sofrido perdas causadas pelo fungo Ceratocystis
fimbriata na espécie mais valiosa de árvore plantada: Gmelina arborea. A busca de maior segurança contra perdas
deste tipo tem sido um motivo continuo para o empreendimento aumentar o número
de espécies arb'reas plantadas. Nenhuma
das espécies nas plantações comerciais apresenta as altas taxas de crescimento
originalmente previstas por Ludwig para Gmelina. A Jari consegue continuar devido, em grande
parte, aos termos favoráveis nos quais a infraestrutura foi comprada pelos donos
atuais, e à presença de uma mina lucrativa de caolim na propriedade. Não é provável que plantações similares
proliferem na região (Fearnside & Rankin, 1985; Fearnside, 1988c).
Sistemas
agroflorestais como soluções alternativas
Sistemas agroflorestais, ou seja cultivação
simultânea de árvores com culturas anuais e/ou pastagens, são muito mais
promissores do que seria a maioria dos componentes destes sistemas
separadamente. Sistemas agroflorestais
são apropriados para pequenos agricultores porque estes sistemas fornecem
alimentos e renda monetária a partir das culturas anuais durante o período em
que as árvores não são capazes de produzir.
Eles são relativamente bons para manutenção de uma cobertura protetora
sobre o solo durante um ciclo longo, e são adaptáveis ao emprego de plantios
diversificados. As espécies componentes
podem incluir legumes (que fixam nitrogênio) e espécies de enraizamento
profundo que tiram nutrientes das camadas mais profundas do solo e colocam
estes elementos na superfície em forma de folhas e galhos (que caiem ou são
cortados pelo agricultor durante podas regulares). A diversidade não só confere mais proteção
contra problemas biológicos como também reduz o perigo de prejuizos maiores
causados por flutuações de preços em mercados internacionais. As vantagens de sistemas agroflorestais,
entretanto, não fazem com que a promoção destes sejam uma solução eficaz, em
termos de custo, para o desmatamento na Amazônia: quaisquer verbas cuja
intenção primária é frear a perda das florestas seriam melhores gastos
diretamente no combate das causas principais de desmatamento, tais como a
especulação das terras e a migração.
Sistemas agroflorestais devem ser encorajadas apenas como uso da terra
em áreas já desmatadas, ou severemente perturbadas, não como uma substituição
de ecossistemas florestais naturais.
O manejo florestal é atraente como um uso
para grandes áreas de floresta tropical porque, além de gerar renda, este uso
mantém as funções ambientais assim como as opções futuras para uso, por deixar
a floresta relativamente intacta. Embora
vários sistemas estejam sendo testados experimentalmente, o manejo florestal
tem recebido prioridade baixa como um objetivo de pesquisas e ainda não foi
adotado em escala comercial em qualquer lugar na Amazônia brasileira. As razões não são tanto na dificuldade técnica
de projetar sistemas sustentáveis, mas nas desvantagens inerentes em concorrer
com alternativas não sustentáveis.
Somente critérios modificados para a tomada de decisões econômicas podem
transferir a ênfase para estes usos florestais potencialmente sustent'veis e
guarantir os seus benefícios ao longo prazo para a sociedade (Fearnside, 1989).
O sistema
extrativista
"Extrativismo", o nome dado no
Brasil para a remoção de produtos florestais não madeireiros, tais como látex,
resinas e castanhas, tem perspectivas excelentes como um uso sustentável. Começando em 1985, o estabelecimento de
"reservas extrativistas" na Amazônia brasileira se tornou uma
possibilidade para segurar áreas substanciais de floresta para uso desta
maneira pelos seringueiros residentes.
As primeiras reservas foram decretadas no Estado do Acre em 1988; outras
são propostas em Rondônia, Amazonas e Amapá.
Se esta opção é para ter um impacto significativo sobre os padrões de
uso da terra na Amazônia no futuro, precisa‑se de rapidez na demarcação e
legalização das reservas, e a restrição de construção de estradas em 'reas
vizinhas. A economia extrativista dos
seringueiros, atualmente dependente do preço subsidiado no Brasil para borracha
natural, precisa‑se diversificar para usar muito mais que os
aproximadamente 20 produtos atualmente comercializados. A identificação de produtos farmaceuticos
exige um esforço grande de pesquisa. O
sistema de comercialização precisa ser melhorado para eliminar os intermediários:
se isto não for feito, os extrativistas sempre vão permane,er pobres
independentemente de quanto riqueza eles geram, como ocorreu durante o
"boom" da borracha na Amazônia (1885‑1913). As políticas econômicas precisam confrontar a
questão difícil de incentivos que tem causado tantos danos ambientais na
Amazônia no caso das pastagens. No
entanto, incentivos representam um dos 'nicos mecanismos disponíveis para
direcionar fluxos monetários para sistemas sustentáveis que mantem as funções
ambientais que até agora tem sido embolsadas pela sociedade como serviços
"gratis".
Direções
futuras para a pesquisa
Muita pesquisa precisa ser feita para
identificar e melhorar os sistemas agrícolas, especialmente aqueles que
enfatizam os plantios diversificados de culturas perenes. O desenvolvimento de sistemas de manejo
florestal requer aumentos substanciais em pesquisas, o que se torna mais
urgente pelo fato destes sistemas serem inerentemente de longo prazo enquanto a
oportunidade para aplicação na prática está rapidamente desaparecendo. Precisa‑se de pesquisas para identificar
produtos florestais úteis, especialmente compostos farmaceuticos. O uso de conhecimento indígena é a maneira
mais eficiente de fazer a peneiração inicial para as milhares de espécies que
ocorrem na floresta, muitos das quais não são nem formalmente
"conhecidos" pela ciência. Até
agora as firmas comerciais têm demonstrado mais interesse nos produtos da
floresta para uso cosmético do que para propriedades medicionais; embora os
cosméticos possam gerar alguma renda financeira, eles não têm os benefícios
grandes, não‑monetários, que os usos farmaceuticos têm. A maioria das drogas são originalmente
descobertas em produtos naturais de plantas; somente após a sua atividade ter
sido confirmada os compostos são utilizados pela indústria farmaceutica. A perda da floresta tropical é vista como uma
perda grande em potencial para os esforços voltados a encontrar curas para
c^ncer e para outras doenças (Myers, 1984).
Pequisas sobre combinações de culturas e
sobre tratamentos de manejo florestal são necessários mas não suficientes para
colocar o desenvolvimento num rumo mais sustentável em áreas de floresta tropical. Mesmo se fossem disponíveis sistemas garantidos
a serem sustentáveis, os agricultores e madeireiros seriam pouco prováveis a
adotar estes sobre a maioria das condições hoje. Precisa‑se de pesquisa sobre os
mecanismos econ^micos que controlam as escolhas dos agricultores, e como as
políticas governamentais poderiam ser modificadas para fazer os sistemas
sustentáveis lucrativos e os não sustentáveis não lucrativos.
Embora a melhoria de sistemas agrícolas
para aumentar a sua sustentabilidade deva ser uma prioridade alta, os tomadores
de decisões precisam reconhe,er os limites sobre desenvolvimento agrícola em áreas
tropicais como meio de solucionar outros problemas, inclusive os problemas de
outras regiões geográficas. Problemas
tais como o crescimento populacional, a distribuição altamente desigual de
posse da terra, e oportunidades inadequadas de emprego para acomodar os fluxos
campo‑cidade, devem ser enfrentados diretamente nos locais onde estes
problemas ocorrem. As políticas precisam
refletir os limites de capacidade de suporte humano no nível nacional e dentro
das regiões de cada país (Fearnside, s/d‑a; s/d‑c).
Ações rápidas são necessárias para reduzir,
e mais tarde parar, o corte de florestas tropicais. Entre as perdas trazidas pelo desmatamento
figura a perda de algumas das melhores oportunidades para uso sustentado. Pesquisas para melhorar a sustentabilidade de
sistemas agrícolas são necessárias, mas de nenhuma maneira substituem as
medidas necessárias para cortar diretamente as forças que empurram o
desmatamento. O desaparecimento de
florestas tropicais não está predeterminado; nem tampouco est' a conversão destas
areas para usos não sustentáveis.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho
foi adaptado de uma tradução de Fearnside (1988d). Agradeço aos J.M. Robinson e F.J.A. Rodrigues
pelos comentários valiosos.
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