SISTEMAS
AGROFLORESTAIS NA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: PAPEL E
LIMITES COMO USO PARA ÁREAS DEGRADADAS
Philip M. Fearnside
Instituto Nacional de
Pesquisas
da Amazônia (INPA)
C.P. 478
69011-970 Manaus-Amazonas
18 de setembro de 1995
23 de janeiro de 1996
24 de janeiro de 1996
05 de maio de 1996
30 de maio de 1996
26 de julho de 1996
RESUMO
Sistemas agroflorestais
representam uma forma de uso para áreas desmatadas tornando-se preferível
agronomica, social e ambientalmente às pastagens que atualmente dominam o uso
da terra na Amazônia brasileira. Embora
florestas nativas não devem ser derrubadas para implantar estes sistemas, muito
pode ser feito para melhorar as agroflorestas.
Alcançar os benefícios sociais em potencial exigirá uma definição clara
dos critérios para selecionar os beneficiários dos sistemas
agroflorestais. Condições econômicas
precisam ser criadas para remoção das atrações aos usos da terra concorrentes,
não-sustentáveis, tais como as pastagens, e aumentar a lucratividade dos
sistemas agroflorestais. A avaliação de
propostas para projetos agroflorestais deve usar critérios que coloquem pesos
apropriados sobre as funções ambientais e sociais e que não eliminem os
projetos por causa do longo prazo antes do começo dos retornos econômicos. O lugar dos sistemas agroflorestais precisa
ser definido no contexto da política geral de desenvolvimento regional.
Os limites de mercado para
mercadorias e recursos restringem severamente a expansão em potencial dos
sistemas agroflorestais. Estas
limitações fazem com que os sistemas agroflorestais sejam uma ilusão como meio
para 1) combater o desmatamento e 2) recuperar as vastas áreas de pastagens em
rápido processo de degradação na região.
Três perguntas importantes permanecem: o que fazer com o restante da
terra desmatada que não pode ser convertida em sistemas agroflorestais, o que
fazer com o restante da floresta que ainda não foi derrubada, e o que fazer com
o restante da população rural que não pode ser sustentada através dos sistemas
agroflorestais? Estas perguntas exigem
decisões fundamentais sobre políticas relativas à população, posse da terra,
impostos, financiamentos, zoneamento, construção de rodovias, e a localização e
promoção de pólos de desenvolvimento industrial que oferecem alternativas de
emprego às más-aventuras agrícolas que caracterizam a Amazônia hoje. O tamanho da população rural deve permanecer
dentro dos limites dos recursos para o seu sustento. Os sistemas agroflorestais devem ser
encorajados para desempenhar o seu devido papel no desenvolvimento da região,
mas não devem ser usados como uma desculpa para o corte da floresta, nem para
deixar de reconhecer os limites da capacidade de suporte humano na região.
INTRODUÇÃO
"Sistemas
agroflorestais" se referem à combinação de árvores ou outras culturas
lenhosas perenes (plantadas ou não), junto com outras árvores, agricultura ou
pastoreio de animais (e.g. Nair, 1993).
Existem definições bastante divergentes do termo, levando a considerável
confusão tanto ao nível técnico como popular.
O termo tem sido usado com frequência em um sentido normativo, indicando
o que é sustentável, não ambientalmente predatório, e, em geral, o que
"deve" ser promovido. Este
tipo de uso faz com que qualquer discussão da sustentabilidade destes sistemas
seja circular, já que os sistemas começam com esta característica por
definição. O uso do termo lato sensu
tem sido criticado por Van Leeuwen et al. (1997).
O conceito do termo stricto
sensu, usado, por exemplo, pelo Centro Internacional para Pesquisas
Agroflorestais (ICRAF), sediado em Nairobi, Quênia, tem evoluido ao longo dos
anos desde o estabelecimento do ICRAF em 1977 (revisado por Nair, 1993 e
Somarriba, 1992). Atualmente a definição
usada pelo ICRAF exige que os componentes lenhosos e não lenhosos tenham alguma
interação biológica (não apenas econômica), que pode ser direta (com presença
simultânea dos componentes) ou sequencial (com efeitos através do tempo ocorrendo,
por exemplo, por meio da recuperação do solo por um período em pousio). Sob esta definição a agricultura itinerante
tradicional é considerada como sendo um sistema agroflorestal. Eu prefiro limitar o meu uso do termo aos
sistemas com interações simultâneas, já que a inclusão da agricultura
itinerante confunde bastante a discussão sobre o papel de agroflorestas na
politica de desenvolvimento (quase sempre exigindo algum tipo de caveat
para excluir este tipo de agicultura).
Sistemas agroflorestais estão
sendo reconhecidos como um uso da terra que pode desempenhar um papel
significativo nos planos de desenvolvimento na Amazônia brasileira (Dubois,
1979a,b; Fearnside, 1986a; Hecht, 1982; Monteiro & Nunes, 1994; Weaver,
1979). No entanto, é fácil esperar
demais deste uso de terra como meio para resolver os problemas ambientais e
sociais da região. Sistemas
agroflorestais não são uma "alternativa ao desmatamento", mas sim um
uso da terra para áreas já desmatadas.
Os recursos financeiros destinados aos sistemas agroflorestais podem ter
um efeito positivo na sustentação da produção regional. Entretanto, cuidado deve ser tomado para
garantir que tais verbas cheguem aos beneficiários intencionados e que as
condições necessárias sejam criadas para permitir que este sistema desempenhe o
seu papel esperado. Definir o lugar dos
sistemas agroflorestais dentro do contexto geral de desenvolvimento é
necessário para guiar a tomada de decisões imediatas, enquanto o rumo do desenvolvimento
em muitas partes da região ainda está no poder dos líderes nacionais para:
1)melhorar
sistemas de produção agroflorestal,
2)estabelecer
critérios para selecionar os beneficiários dos sistemas agroflorestais,
3)criar
condições econômicas favoráveis para sistemas agroflorestais,
4)estabelecer
critérios apropriados para avaliar propostas de sistemas agroflorestais,
5)remover
os motivos para usos da terra concorrentes não sustentáveis, e,
6)definir
o lugar dos sistemas agroflorestais na política de desenvolvimento global.
O presente trabalho objetiva discutir e
propor soluções para estes seis itens.
SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROFLORESTAL
Muito
pode ser feito para melhorar os sistemas agroflorestais e para adaptar as
tecnologias às condições ambientais e às necessidades sociais de diferentes
partes da região. Pesquisas precisam ser
realizadas agora devido à longa demora para obter resultados de experiências
que incluem árvores.
É
necessária aumentar a diversidade das espécies e das combinações delas usadas
(Montagnini, 1988). A tendência de
capoeiras manejadas na Amazônia peruana é de aumentar a diversidade, mesmo sem
qualquer estímulo a partir de iniciativas de pesquisa (Unruh, 1990). Maior diversidade traz as vantagens de melhor
ciclagem de nutrientes, melhor uso dos insumos do solo, luz e água, possível
proteção contra surtos de pragas e doenças, maior proteção contra as variações
dos preços nos mercados de mercadorias, menor pressão sobre a capacidade dos
mercados de absorver qualquer determinado produto, e a maior flexibilidade no uso
de mão-de-obra dos pequenos agricultores (em comparação com o manejo de
plantios diversificados por grandes empresas).
A
seleção e identificação de espécies para inclusão nos sistemas agroflorestais
deveriam ser baseadas nos conhecimentos acumulados dos grupos indígenas,
agricultores caboclos, seringueiros e outros.
Muitos destes grupos têm séculos de experiência com plantios
diversificados de espécies arbóreas e não arbóreas. A larga gama de frutas, especiarias, plantas
medicinais, etc., utilizada por estes grupos poderia expandir o valor de
sistemas tanto voltados para a subsistência como para a comercialização (Clay
& Clement, 1993).
A
escolha de espécies para inclusão nos sistemas deveria ser orientada para
fornecer produtos de alto valor por unidade de peso com demandas nutricionais
relativamente pequenas (óleos, látex, resinas, etc.) e uma fração relativamente
pequena do ciclo de produção passado como terra nua ou em culturas anuais entre
as fases de culturas arbóreas. Por
exemplo, espécies de madeiras de lei, que são de crescimento lento embora
valiosas, são melhores do que espécies de madeira para celulose ou para carvão
vegetal. Estes padrões são difíceis de
seguir na prática: os produtos com demandas altas de nutrientes são, muitas
vezes, comercialmente valiosos, e os agricultores geralmente escolham as formas
de produção que dão o retorno mais rápido independente da
sustentabilidade. Pesquisas sobre
beneficiamento industrial e esforços para melhorar a comercialização devem ser
voltadas para usos que forneçam produtos de alto valor com pouca retirada de
nutrientes, resinas e fibras, por exemplo.
Frutos também são bem melhores que a madeira: embora eles tenham
nutrientes altamente concentrados, eles também possuem valor suficientemente
alto para pagar os insumos de nutrientes desde que os agricultores tenham a
propensão de sustentar a produção em vez de simplesmente mudar para novos
locais.
As
escolhas mais sensatas de produtos são aquelas que podem ser produzidas
exclusivamente na Amazônia. Os usos da
terra na Amazônia devem, em grande parte, ser escolhidos para fornecer os
produtos que a região é mais capaz de suprir de forma sustentável, em vez de
imaginar que a região deve correr para suprir qualquer produto que os mercados
em outras partes estão com vontade de comprar.
O fato que os consumidores querem carne bovina ou ferro-gusa, por
exemplo, não deve ditar o que é produzido na Amazônia.
Para
muitos produtos que a Amazônia poderia suprir de forma sustentável, a criação e
organização de mercados representa o fator limitante. Diversos frutos nativos oferecem exemplos;
este fator é considerado um dos principais limitantes nas agroflorestas
experimentais do Projeto de Reflorestamento Econômico, Consorciado e Adensado
(RECA), no Acre (Diewald, 1995: 9).
Balanços delicados existem entre fornecer um produto em quantidade
suficiente para torná-lo economicamente viável, e passar dos limites, ou da
demanda do mercado ou da capacidade regional para produção sustentável. Se a oferta se torna grande demais, como é o
destino comum de mercadorias como a cacau, o preço no mercado mundial cai. O resultado é tanto a perda da
sustentabilidade (quando os custos de combater problemas agronômicos, como o
fungo Crinipellis perniciosa da doença vassoura de bruxa, se tornem
injustificáveis), como a perda da também desejada manutenção dos níveis de
renda dos pequenos agricultores.
A
falta de uma fonte de suprimento organizada e de quantidade suficiente de
qualquer produto dado, faz com que muitos produtos amazônicos não sejam
comercializáveis. Um comprador de
madeiras holandês, que negociou a compra de madeiras de lei do Projeto Jari, me
informou que ele podia encontrar um mercado industrial para a madeira de qualquer
espécie de árvore para qual um suprimento suficientemente grande e regular
pudesse ser garantido (Henk Rodenhuis, comunicação pessoal, 1983). Isto levanta o problema de produzir
quantidades suficientes de produtos individuais enquanto mantenha-se a diversidade,
cujas vantagens foram listadas acima, e o problema futuro de controlar a
expansão do sistema uma vez ultrapassado o ponto crítico em que o seu
crescimento torna-se economicamente auto-perpetuante.
Com
estas ressalvas, devem continuar pesquisas para aumentar o uso dos produtos
florestais na Amazônia, com estruturas institucionais para organizar a compra,
o transporte e a comercialização destes produtos. Muito mais investimento precisa ser feito em
pesquisas agronômicas sobre os próprios sistemas de produção. Isto deve começar com observações
sistemáticas nos exemplos de sistemas agroflorestais já implantadas pelos
agricultores da região. As instituições
de pesquisa muitas vezes possuem a tendência de desprezar as observações
"não científicas" de agricultores humildes. Muito tempo e dinheiro podem ser
disperdiçados para testar em estações experimentais as combinações de culturas
que os agricultores tradicionais já observaram ser inviáveis. De fato, a diferença entre um sistema que
funciona e um que não funciona normalmente fica visível ao olho nu, não
exigindo qualquer comparação cuidadosamente controlada ou análise
estatística. As alternativas mais
promissoras identificadas com base no conhecimento popular podem ser testadas
posteriormente em ensaios controlados.
Começar com os sistemas existentes leva a vantagem adicional de ter
maior aceitação quando as tecnologias melhoradas são fomentadas posteriormente
através de programas de extensão.
Experimentação em Iquitos, Peru, obteve resultados promissores a partir
de sistemas baseados em práticas da população indígena local (Flores Paitán,
1988). Os sistemas indígenas na Amazônia
peruana oferecem exemplos de componentes que podem ser substituídos na sucessão
natural no lugar de espécies ecologicamente semelhantes, conforme a estratégia
proposta por Hart (1980) para o uso da sucessão secundária como modelo para
escolha de componentes agroflorestais.
Levantamentos
de espécies e práticas locais na Amazônia brasileira tem sido feito por Bahri
(1992, 1993), Costa et al. (1994), da Gama e Silva et al. (1994),
Medrado et al. (1994) e Smith et al. (1995a,b). O conhecimento tradicional, no entanto, não é
suficiente para garantir sistemas comercialmente viáveis. As espécies utilizadas são quase sempre
voltadas para o consumo de subsistência, e na maioria das vezes não tem
potencial para produção comercial.
Pesquisas são necessárias para aproveitar os aspectos dos sistemas
tradicionais que levam à sustentabilidade, e ao mesmo tempo introduzir
componentes que aumentam o valor comercial da produção. Um aspecto relevante é a capacidade de
algumas espécies de concentrar nutrientes e melhorar o solo (E.C.M. Fernandes et
al., 1994, 1995; Montagnini et al., 1995).
O
processo de selecionar as melhores combinações de espécies e de arranjos
espaciais pode ser acelerado através da melhoria das nossas capacidades de
modelar agro-ecossistemas em simulação de computador. Precisa-se de avanços tanto na modelagem como
na coleta de dados sobre as espécies e as suas interações, taxas relativas de
crescimento, sombreamento por diferentes estratos, tolerância a baixos níveis
de luz, de água, e/ou de nutrientes, propriedades alelopáticas, organismos
simbióticos fixadores de nitrogênio e de solubilizadores de fosfato, e a
capacidade de concentrar nutrientes. A
modelagem oferece uma grande melhoria em potencial sobre a escolha de espécies
componentes e espaçamentos de forma aleatória para inclusão nos ensaios de
sistemas agroflorestais. Essa ferramenta
permite organizar as informações disponíveis e tirar o máximo de inferências
das mesmas. Ao longo do tempo, a
retroalimentação entre o processos de modelagem e de experimentação leva à
melhoria da utilidade de ambos. A
modelagem nunca deve tomar o lugar de observações cuidadosas do campo, o grande
valor do conhecimento empírico dos povos tradicionais na região, e a
necessidade de uso do bom senso. Modelos
também não substituem ensaios reais de campo para confirmar o funcionamento dos
sistemas teóricos identificados.
Ferramentas
de modelagem existem para selecionar espécies, espaçamentos e insumos de
fertilizantes (E.C.M. Fernandes & Matos, 1995; E.N. Fernandes et al.,
1994; Wojtkowski & Cubbage, 1991; Wojtkowski et al., 1991), para
reduzir a exposição aos riscos financeiros (Lilieholm & Reeves, 1991;
Reeves & Lilieholm, 1993), e para avaliar a sensitividade de sistemas
agroflorestais às mudanças de valores médios para preços e produtividade
(Thomas, 1991). Modelos que incluem a
variabilidade nos parâmetros são essenciais para entender o papel dos sistemas
produtivos em sustentar a população de agricultores (Fearnside, 1986b).
A
comunicação entre pesquisadores trabalhando sobre sistemas agroflorestais deve
ser facilitada. Isto é especialmente
importante devido à necessidade de testar combinações promissoras em uma larga
gama de habitats e devido às barreiras de comunicação através dos canais
científicos normais. A Rede Brasileira
Agroflorestal-REBRAF, com o seu boletim Informativo Agroflorestal,
representa um passo importante (endereço: C.P. 70.060, 22422-970 Rio de
Janeiro-RJ) (Dubois, 1994). REBRAF tem
sido resumido na forma de um manual as muitas experiências da região com
técnicas agroflorestais (Dubois et al., 1996)
O
início de projetos agroflorestais exige que meios sejam fornecidos para os
agricultores viverem até que as árvores comecem a produzir colheitas. A melhor maneira de passar desta barreira é
de introduzir os sistemas agroflorestais gradativamente, com culturas anuais
intercaladas entre as árvores jovens para fornecer alimentos e renda durante a
fase crítica de transição à produção florestal.
Exemplos de trabalhos neste sentido na Amazônia brasileira incluem
pesquisas na região de Manaus do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA) (Van Leeuwen & Gomes, 1995; Van Leeuwen et al., 1994, 1995) e
do Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Ocidental (CPAA), da Empresa
Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA) (E.C.M. Fernandes et al.,
1995; Lieberei et al., s/d).
Finalmente,
qualquer sistema agroflorestal desenvolvido precisa ser disseminado entre os
agricultores por algum tipo de sistema extensionista. É conhecido a ineficácia do atual sistema de
cursos de curta duração e de visitas irregulares por engenheiros agronômos
jovens e inexperientes. Severos
impedimentos culturais resultam na oferta de muitos conselhos inapropriados, e
bloqueiam a aceitação de quaisquer sugestões apropriadas que venham a ser
oferecidas (ver Fearnside, 1982, 1986c; Moran, 1981). Uma solução pode ser o uso de parcelas
demonstrativas nas terras dos colonos onde os próprios agricultores possam ver
os sistemas. Também pode estabeler uma
rede de para-agrônomos ou "agrônomos descalços" recrutados de dentro
da população de agricultores nas moldes dos conhecidos "médicos
descalços" da China.
OS BENEFICIÁRIOS DO DESENVOLVIMENTO
AGROFLORESTAL
Os
beneficiários de qualquer desenvolvimento agroflorestal precisam ser
identificados desde o início e os programas projetados para assegurar que os
benefícios não sejam desviados para outros grupos. A questão de "desenvolvimento para
quem?" precisa ser respondida antes de qualquer outra.
O
conflito de interesse em potencial com que é necessário tomar mais cuidado é
entre pequenos agricultores (ou pessoas sem terra) e grandes empresas ou
latifundiários. Os programas de
"silvicultura social" (social forestry), na Índia, fornecem um
exemplo. Embora os sistemas implantados
não sejam agroflorestas no senso estrito, este tipo de plantação representa boa
parte dos sistemas que tem sido discutidos sob o rótulo de "agroflorestas"
em discussões sobre o uso de sistemas agroflorestais para sequestrar carbono
(e.g. Winjum et al., 1992). Os
programas de silvicultura social na Índia que atualmente recebem crescentes
financiamentos do Banco Mundial, têm beneficiado grandes proprietários e usinas
de celulose às custas da população pobre da zona rural (Centre for Science and
Development, 1985: 51-62; Environmental Defense Fund, 1987). As chamadas "terras degradadas" (wastelands)
sob domínio público, tais como às margens das estradas ou em partes não
plantadas de propriedades particulares, fornecem suprimentos críticos de lenha
e de forragem para animais domesticados dos pobres. Quando estas terras são convertidas em
eucaliptos ou em outras espécies de árvores, seja por proprietários particulares
ou por autoridades das aldeias, os pobres são desprovidos destes recursos. Ironicamente, o programa "silvicultura
social" da Índia foi lançado com o objetivo proclamado de ajudar os pobres
(ver Eckholm, 1979: 48-56). Embora a
situação atual na Amazônia seja bem diferente da situação na Índia, conflitos
similares de interesses podem surgir.
Tais conflitos existem entre pessoas que já habitam a região e aqueles
que são trazidos de fora para desenvolvimentos agrícolas especiais. Projetos privados de colonização, tais como
os de Tucumã no Pará e de Alta Floresta e Sinop em Mato Grosso, têm vendido
lotes para agricultores do sul do Brasil que possuem capital suficiente para
pagar pelas terras. Os benefícios para
quem já está na área são mínimos. Projetos
de assentamento para promoção de sistemas agroflorestais poderiam, de maneira
similar, produzir benefícios apenas para pessoas de fora. O raciocínio para dirigir o desenvolvimento
na Amazônia apenas para os atuais residentes da região e aos seus descendentes
está apresentado em outros trabalhos (Fearnside, 1986c, 1989a).
Desenvolvimentos
baseados em agroflorestas, assim como outras formas de desenvolvimento, devem
ser projetados e implementados com plena consulta à população
participante. A implantação dos sistemas
em forma de um esforço de base tem a vantagem de melhor garantir que a
população local seja beneficiada, assegurando uma dedicação maior ao projeto
por parte dos agricultores, e permitindo o máximo de adaptação da tecnologia às
condições edáficas e sociais locais. A
existência de "apoio local e disposição de participar" é considerada
como um dos fatores chaves na escolha entre sistemas agroflorestais e a
silvicultura simples para programas de recuperação de áreas degradadas
(Lovejoy, 1985: 4).
AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS PARA SISTEMAS
AGROFLORESTAIS
Vários
obstáculos econômicos precisam ser superados para tornar os sistemas
agroflorestais atraentes. Um deles é o
impedimento da competição da exploração não sustentável da floresta nativa: no
caso de madeira, os madeireiros não vão pagar por esta matéria prima produzida
através de sistemas agroflorestais enquanto a madeira pode ser obtida "de
graça" pela destruição da floresta.
Dentro de limites, a discrepância em preços pode ser reduzida colocando
impostos sobre produtos florestais obtidos de maneiras não sustentáveis e
abaixando os custos de sistemas agroflorestais através de incentivos fiscais,
preços regulados, financiamentos e outros subsídios. Qualquer concessão de subsídios para sistemas
agroflorestais deve ser abordada com muito cuidado: os subsídios dados aos
empreendimentos não sustentáveis, tais como fazendas de pecuária, serrarias, e
usinas de ferro-gusa representam uma das grandes razões pela qual os sistemas
sustentáveis não vêm competindo com êxito contra a exploração destrutiva na
Amazônia brasileira.
A
história das pastagens na Amazônia brasileira ilustra o potencial para
subsídios desviar o desenvolvimento em rumos não sustentáveis e destrutivos do
ambiente. Pastagens foram plantadas com
subsídios de até 70% dos seus custos apesar de sinais óbvios que a produção
bovina seria desprezível (Fearnside, 1979a,b, 1980; Hecht, 1985). Se a atividade agroflorestal fôsse convertida
em um negócio altamente lucrativo através de subsídios, os interesses que se
formariam para defender a continuação destes pagamentos poderiam manter a
expansão até provocar efeitos negativos, tais como a derrubada de floresta
nativa para implantar sistemas agroflorestais, depressão dos preços dos produtos
eliminando concorrentes não subsidiados, e a instalação de plantações mal
mantidas e economicamente questionáveis como forma de receber a generosidade
governamental.
Dificuldades
frequentemente surgem em limitar subsídios aos seus beneficiados intencionados. Subsídios na forma de apoio aos preços e
barreiras tarifárias contra competição de importações podem ir para outros
grupos de interesse que também produzem o mesmo produto. A borracha (que não é produzida com sistemas
agroflorestais) fornece um bom exemplo.
Este produto é produzido a custo muito menor em plantações no sudeste
asiático do que no Brasil, devido à presença do fungo do "mal das
folhas" (Microcyclus ulei) na América do Sul. O fungo elimina as plantações (ou eleva os
seus custos exageradamente), e o custo de coleta do látex da floresta nativa é
maior do que das plantações devido à maior distancia entre as árvores. Portanto, os custos de produzir borracha no
Brasil são mais elevados que na Ásia. O
preço elevado pago pelos consumidores brasileiros de produtos da borracha
(embora em grande parte absorvido pelos intermediários que compram o látex do
seringueiro na floresta) vai, em parte, para subsidiar a população de
seringueiros. O extrativismo da seringa
é um sistema potencialmente sustentável que tem grande benefício para a
sociedade pela manutenção das funções ambientais da floresta, protegendo contra
a destruição os produtos não usados e não descobertos na floresta e fornecendo
um meio de suporte para uma população de residentes tradicionais (Allegretti,
1990; Fearnside, 1992a). O subsídio ao
preço é desfrutado também pelos proprietários de terras que instalam plantações
de seringueira, sobretudo em regiões não amazônicas do Brasil (obs: a razão
primária para as políticas governamentais que elevam artificialmente os preços
domésticos da borracha são os interesses dos donos das plantações, ao invés dos
interesses dos seringueiros ou de preocupações ambientais).
Na
medida em que estas plantações se expandissem, o custo de comprar a borracha no
preço subsidiado poderia se tornar proibitivo (atualmente aproximadamente
um-terço da borracha natural no Brasil vem de fontes domésticas). Os preços poderiam abaixar depois que o
mercado doméstico estivesse saturado, possivelmente colocando em perigo o
sistema extrativista (a não ser que a diversidade dos produtos comercializados
fosse aumentada). Os preços domésticos
da borracha diminuiram na década de 90, devido ao alto custo de manter o
subsídio. Tal cenário levanta dúvidas
quanto à viabilidade de um sistema duplo de preços onde as mercadorias
produzidas por sistemas julgados como sendo merecedores de um subsídio seriam
comprados a preços maiores que os preços das que são produzidas por outros
meios. Presumivelmente os sistemas
agroflorestais seriam contemplados com um subsídio, embora deva ser lembrado
que no caso da borracha são as plantações (algumas das quais são implantadas
através de sistemas agroflorestais) que ameaçam o sistema extrativista
sustentável e ambientalmente preferível.
A
possibilidade de um sistema duplo de preços levanta o problema de como
controlar tal mecanismo. É necessário
assegurar que a produção dos sistemas não-sustentáveis não acabe simplesmente
sendo certificada como vindo de uma das operações sustentáveis, assim
permitindo que o subsídio encoraje a destruição. O sistema de licenciamento de transporte e
comercialização de madeira oferece um exemplo.
Planos de manejo da floresta e autorizações para desmate frequentemente
servem como mecanismo para obter documentos para o transporte e a
comercialização de madeira cortada ilegalmente.
Qualquer programa de subsídios para sistemas agroflorestais teria que
incluir controles para minimizar abusos deste tipo.
As
instituições financeiras podem acelerar a disseminação de sistemas
agroflorestais através do fornecimento de treinamento, suprimento de mudas e de
outros insumos, e a organização de beneficiamento e comercialização. Canais como estes são difíceis de estabelecer
e representam uma parte da razão pela preferência dos bancos multilaterais para
financiar grandes obras públicas em vez de pequenos agricultores. A canalização de dinheiro para pequenos
agricultores exige uma estrutura administrativa substancial com bastante oportunidade
para ineficiência e corrupção. A
auditoria das contas e a vistoria dos lotes dos colonos representam tarefas
onerosas. Outras complicações incluem a
exigência de titulação da terra como pré-requisito para receber financiamentos
bancários (muitos pequenos agricultores são excluidos de programas oficiais
porque as suas terras não são tituladas).
O subprograma de Projetos Demonstrativos (PD/A) do Programa Piloto para
a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PP-G7) começou suas atividades em
abril de 1996, assim fornecendo lições valiosas de como superar esses
impedimentos.
É
necessário fortalecer instituições que promovam ativamente os produtos entre
consumidores em potencial e que minimizam a fração da renda que os agricultores
perdem por venderem a intermediários. Na
ausência de cooperativas ou outras instituições, os intermediários entre o
agricultor e o consumidor final colhem a grande maioria dos benefícios
financeiros. A não ser que estas perdas
sejam controladas, os agricultores permanecem pobres independente de quanto seja
o valor das mercadorias que eles produzem.
As condições miseráveis dos seringueiros durante o auge do
"boom" de borracha (1850-1913) são testemunho disto (Bunker, 1985:
65-72). A cooperativa em Tomé-Açu é um
bom exemplo de uma organização que teve êxito em suprir os insumos, fomentar o
beneficiamento local da colheita e negociar a venda favorável da produção de
culturas perenes (Homma et al., 1994; Subler & Uhl, 1990). Encontrar compradores para produtos diversos
é uma função essencial. Embora as tradições
culturais únicas e os laços sociais dos nipo-brasileiros em Tomé-Açu façam com
que o seu exemplo seja difícil de emular por outros no Brasil, muito pode ser
ganho da sua experiência em superar um dos maiores impedimentos a sistemas
agroflorestais: a captação de dinheiro por intermediários.
Cooperativas
também podem ajudar em viabilizar produção em pequenas propriedades que não
poderiam entrar em certas atividades por falta de capital para
infraestrutura. Em Tomé-Açu, a
cooperativa fornece transportes e mantém uma usina para preparação de polpa de
frutas. O beneficiamento de alguns
produtos localmente permite reter muito mais do valor adicional. Cooperativas também podem compensar pela
falta de experiência e conhecimentos de muitos agricultores pequenos com
relação a mercados de exportação de produtos de luxo, que oferece lucros bem
maiores do que mercados para produtos básicos.
Também, em alguns casos, podem ajudar a atender mercados
"verdes", que podem oferecer preços melhores para um número pequeno
de comunidades por motivos sociais e ambientais (Fearnside, s/d-a). Exemplos incluem chocolate produzido pela
Cooperativa El Ceibo em Alto Beni, Bolívia (Healy, 1988) e café
"ecológico" produzido em Chiapas, México (Bray, 1995).
Sistemas
agroflorestais exigem que os agricultores fiquem no mesmo lugar durante muitos
anos. Embora isto encaixe com as
tradições da Ásia, não é normal na Amazônia.
A rotatividade de pequenos agricultores em projetos de colonização na
Amazônia é extremamente alta. Na rodovia
Transamazônica, por exemplo, a população de colonos foi substituída nos
primeiros quatro anos em uma taxa que correspondia a uma duração média no mesmo
lote de apenas 11 anos (Fearnside, 1986c: 117).
Porque um novo proprietário tem uma alta probabilidade de mudar
radicalmente a estratégia adotada no lote, existe um perigo que um sistema
agroflorestal iniciado em qualquer dado lote possa vir a ser abandonado ou
convertido em outros usos quando um novo dono assumir. Portanto, são necessários mecanismos para
desencorajar a venda de lotes. Estes
poderiam incluir impostos pesados sobre ganhos de capital na revenda da terra.
A AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS PARA SISTEMAS
AGROFLORESTAIS
Quando
propostas são analizadas para subvenção financeira por governos nacionais ou
por bancos, os critérios normalmente aplicados eliminam projetos
agroflorestais, sobretudo os que produzem madeira ou outros produtos de
crescimento lento. Isto se deve às altas
taxas de desconto contra as quais os retornos financeiros dos projetos em
potencial são comparados. Devido à
produtividade de árvores ser limitada por fatores biológicos que não têm nada a
ver com o que pode ser ganho em investimentos alternativos em outras partes da
economia, é quase sempre julgado como antieconômico esperar até que as árvores
alcançam o tamanho mínimo para corte ou para começar a produzir produtos não
madeireiros. Critérios diferenciados
precisam ser aplicados caso os valores de sistemas agroflorestais e de outros
usos da terra de lenta produção sejam reconhecidos (Fearnside, 1989b; Price,
1995).
Sistemas
agroflorestais têm um valor social, pois emprega um número significativo de
pessoas em mão-de-obra produtiva. Pela
geração de renda para setores atualmente pobres da sociedade, ela poderia
ajudar a aliviar um pouco as grandes disparidades na distribuição de
recursos. Fixar os agricultores na terra
e encorajar a indústria local a beneficiar os produtos são metas declaradas
pelo governo brasileiro e pelas agências internacionais de financiamento. Levando estes objetivos para frente exigiria
um controle estrito sobre quem é beneficiado pelos programas agroflorestais,
como mencionado anteriormente.
Um
dos valores que deve ser reconhecido e de alguma forma compensado é o valor da
floresta em preservar funções ambientais (Fearnside, 1996b). O valor ambiental das áreas agroflorestais é
menor que o de floresta nativa, mas é consideravelmente maior que o das
pastagens. Sistemas agroflorestais
atendem objetivos múltiplos, e a análise destes sistemas pode incorporar
consideração de mais que uma função objetiva (Mendoza, 1987; Mendoza et al.,
1986, 1987). Objetivos ambientais devem
ser incluídos nestas análises. Tem sido
enfatizado o papel potencial dos sistemas agroflorestais em estocar carbono
para combate ao efeito estufa (Schroeder, 1994; Winjum et al.,
1992). A maneira de avaliar os
benefícios neste sentido ainda é assunto de debate (Nilsson, 1995; Hoen &
Solberg, 1995).
Um
dos argumentos frequentemente usado para fomento de sistemas agroflorestais é de
que isto diminua o desmatamento (e.g. Fernandes & Serrão, 1992). Proponentes da expansão de sistemas
agroflorestais visando combate ao efeito estufa tem argumentado que "um
hectare de agrofloresta sustentável proporciona bens e serviços que, potencialmente,
podem compensar por 5-20 ha de desmatamento" (Dixon, 1995: 99), e que até
50% de todo o desmatamento feito anualmente nas zonas tropicais do mundo
poderia ser evitado através da promoção de sistemas agroflorestais (Dixon et
al., 1994: 84). Entre os problemas
com este argumento é que a estimativa de 5-20 ha de desmatamento evitado não
foi baseado em produção de sistemas agroflorestais. Os sistemas são agricultura com adubos (a
níveis "baixos") e, no caso do valor superior (20 ha), de arroz
irrigado (Sánchez & Benites, 1987).
Implantação
de sistemas agroflorestais não é uma medida financeiramente eficiente para
combater o desmatamento na Amazônia. Se
a prevenção do desmatamento é a razão principal para apoiar sistemas
agroflorestais, então as verbas poderiam ser gastos em medidas para remover a
motivação atrás da atual corrida para as pastagens. Medidas deste tipo serão discutidas na
próxima seção. O freio sobre desmatamento,
teoricamente desempenhado pelos sistemas agroflorestais, se deve da capacidade
do sistema tanto em atender as ambições para aumentar a renda financeira como
também em satisfazer a demanda do mercado pelos produtos florestais. Os agricultores pioneiros na Amazônia têm uma
demanda praticamente sem limites para bens materiais, em contraste com algumas
populações tradicionais que praticam agricultura itinerante. Ao invés de parar de desmatar quando a
produção chega a ser suficiente para alimentar os agricultores e suas famílias,
o desmatamento continua até os limites dos recursos disponíveis de capital e
mão-de-obra (Fearnside, 1982, 1987a). Em
Rondônia, o cacau, que frequentemente tem sido promovido como um freio contra o
desmatamento, tem muitas vezes resultado em derrubada acelerada quando as
colheitas e os preços são bons: os lucros são investidos em desmatamento para
pastagens (ver Fearnside, 1990a).
Até
em casos onde as populações praticam agricultura itinerante para fins de
subsistência a implantação de agroflorestas pode aumentar o desmatamento. Isto foi documentado em Sumatra, Indonésia,
em um sistema onde agricultores produzem arroz de sequeiro para fins de
subsistência (Mary & Michon, 1987).
Com a adoção de um sistema agroflorestal para um produto de mercado nas
áreas que antes teriam sido capoeiras para posterior roçagem em um cíclo de
agricultura itinerante, a população avançou continuamente na floresta primária
em vez de reaproveitar os mesmos locais para produção de arroz.
Um
dos dilemas inerentes em desenvolvimento agroflorestal, assim como em outros
tipos de desenvolvimento, é que se um sistema provar um sucesso financeiro,
pode atrair uma migração de população querendo compartilhar do sucesso,
conduzindo ao desmatamento crescente para expandir o sistema. Isto ocorreu na ilha de Sumatra, Indonésia,
onde os locais com culturas perenes financeiramente bem sucedidas
experimentaram um aumento em vez de uma diminuição de desmatamento
(Alternatives to Slash and Burn, 1995: 131).
Acabou-se em uma situação de "se ficar o bicho pega, se correr o
bicho come": se um projeto de cultura para venda for um fracasso
agronômico, a seguir as pessoas invadirão a floresta em volta desmatando-a para
a agricultura de corte-e-queima, enquanto que se é um sucesso, a seguir outras
pessoas serão atraidas ao local e cortarão a floresta também.
Quanto
à possibilidade de saturar os mercados para os produtos florestais, isto é
extremamente improvável no atual caso mais urgente: o projeto já iniciado para
produzir ferro-gusa usando carvão vegetal na área de Grande Carajás. O uso de sistemas agroflorestais neste
projeto não é recomendado porque a pesada retirada de nutrientes causada pela
exportação de grandes quantidades de lenha faria com que o suprimento de
insumos químicos ficasse caro para sustentar a produção, criando uma forte
tentação de abandonar o sistema depois de degradar o seu capital de
nutrientes. As usinas planejadas de
ferro-gusa exigiriam uma plantação de eucalipto quase dez vezes a área das
plantações manejadas do Projeto Jari, uma possibilidade pouco provável sem
primeiro sacrificar toda a floresta acessível (Fearnside, 1988). Com 18 bilhões de toneladas de minério de
ferro em Carajás, a demanda em potential de lenha para produção de carvão é
praticamente infinita.
O
caso de Carajás é importante no debate sobre o papel de agroflorestas no
combate ao efeito estufa devido à tendência de propostas para expansão maciça
de silvicultura serem vistas como ambiental e socialmente benignas se
acresentadas de componentes agroflorestais.
Por exemplo, Myers & Goreau (1991: 220) afirmam que "Não
precisa se pensar em plantações vastas de árvores se extendendo de um horizonte
até o outro .... outras estratégias de plantar árvores são disponíveis,
sobretudo a silvicultura social e os sistemas agroflorestais."
Foi
anunciado em junho de 1990 pelo então-Presidente Fernando Collor de Mello e o
então-Secretário do Meio-Ambiente José Lutzenberger que 1 X 106 ha
de plantações seriam estabelecidas ao longo da ferrovia, com a justificativa de
absorver carbono para amenizar o efeito estufa.
Deveria ser mencionado que essas plantações, agora sendo implantadas
pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a empresa paraestatal de mineração, vão
fornecer uma fonte de matérias primas para a fábrica de celulose e
possivelmente para o programa de ferro-gusa.
Os cálculos dos benefícios das plantações em aliviar o efeito estufa
exageram o seu papel por um fator de dois, já que o cálculo é feito usando a
biomassa das plantações no momento da colheita em vez da média sobre uma
paisagem de plantações em diferentes estágios de crescimento (ver Fearnside,
1990b). A maneira mais barata para
diminuir a contribuição brasileira ao aquecimento global seria frear o
desmatamento (Fearnside, 1989c; 1995a), em vez de tentar reabsorver uma parte
do carbono em plantações. A mesma lógica
aplica-se tanto para sistemas agroflorestais como para plantações puras do
ponto de vista da absorção de carbono.
A REMOÇÃO DOS MOTIVOS PARA USOS CONCORRENTES
DA TERRA NÃO SUSTENTÁVEIS
Enquanto
usos da terra não-sustentáveis produzem retornos financeiros altos, não se pode
esperar investimentos em usos sustentáveis.
Sistemas agroflorestais na Amazônia hoje competem com a atividade
altamente lucrativa de especulação das terras.
As florestas são derrubadas e as terras plantadas em pastagens tão
rápido quanto possível para conseguir o título da terra e/ou para evitar que
posseiros ou fazendeiros vizinhos usurpem a posse. Plantar pastagem, que é a maneira mais barata
de ocupar a terra desmatada, muitas vezes resulta em lucros vultuosos quando a
terra é vendida, mesmo que a produção de carne bovina seja zero. A construção de rodovias eleva em muito o
valor das terras vizinhas, assim acrescentando ao motivo para desmatar para
captar lucros especulativos. O ganho
financeiro dos investidores que plantam pastagens tem sido ainda maior em
projetos que têm recebido incentivos e financiamentos concessionários através
da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA). Em 16 de janeiro de 1991, uma lei (No. 167)
limitou os incentivos, mas os incentivos foram logo reinstituidos em 17 de
abril de 1991 (Decreto No. 101); somente em 25 de junho de 1991 foi emitido um
decreto barrando a "concessão de incentivos que implicam no desmatamento
em áreas de floresta primária" (Decreto 153, Art. 15, para. 3). Sendo uma modificação de um decreto anterior,
isto se aplica apenas aos incentivos incluidos no anterior, ou seja, não inclui
os incentivos já aprovados, que representam um problema maior que o aumento
relativamente modesto de "novos" projetos incentivados. Pastagens na Amazônia não são sustentáveis
sem insumos pesados que são, em último caso, limitados mesmo que subsidiados
(Fearnside, 1979a, 1980, 1989d). O
quadro econômico tem melhorado para expansão de pastagens independente de
subsídios e incentivos (Mattos & Uhl, 1994).
Medidas
que removeriam uma parte da lucratividade das pastagens incluem:
1) não
aceitar este uso da terra como uma "benfeitoria" para estabelecer
posse da terra,
2) tributar
as pastagens, talvez com um imposto mais pesado para aquelas degradadas,
3)
tributar fortemente os lucros de vendas de terra,
4) criar
impedimentos burocráticos à transferência de títulos para novos proprietários,
5)
ampliação do decreto atual sobre incentivos para pastagens para assegurar que
vantagens tributárias e diversos outros subsídios parem para todos os projetos
(inclusive os mais de 300 projetos já aprovados pela SUDAM), e
6) não
construir ou melhorar rodovias nas partes atualmente inacessíveis da Amazônia.
Desde que as medidas acima listadas são todas
mudanças administrativas ou paralização de gastos públicos, todas poderiam ser
realizadas sem despesas e, em alguns casos, poupando recursos consideráveis
para o governo.
SISTEMAS AGROFLORESTAIS NA POLÍTICA GERAL DE
DESENVOLVIMENTO
Projetos
agroflorestais possuem um papel importante a desempenhar no desenvolvimento
amazônico, mas a tentação de esperar demais destes sistemas é muito
grande. Como já foi colocado, sistemas
agroflorestais não são um remédio financeiramente eficiente contra o
desmatamento na Amazônia hoje. Sistemas
agroflorestais são muitas vezes escolhidos para promoção deste papel porque
eles não são controversiais: ninguém se opõe às agroflorestas. Não há um concenso tão fácil para assuntos
tais como a reforma agrária, o crescimento populacional, questões sobre a
dívida externa brasileira, e interesses financeiras na construção de rodovias,
incentivos para pecuária, etc. Sistemas
agroflorestais somente podem ser esperados a ocupar uma parte relativamente
pequena da vasta área de terras já desmatadas.
Mercados para muitas das mercadorias produzidas pelos sistemas
agroflorestais somente podem absorver a produção de uma área relativamente pequena. Culturas perenes, tais como o cacau e a
seringa, oferecem bons exemplos de espécies arbóreas cuja expansão está
severamente limitada por mercados (além dos problemas biológicos). Diversificar as culturas usadas poderia
aumentar a área potencialmente convertida em sistemas agroflorestais.
Os
recursos financeiros que podem ser voltados para sistemas agroflorestais
somente são suficientes para uma área relativamente limitada, especialmente em
terras degradadas que requerem insumos de fertilizantes. Os aproximadamente cinco milhões de hectares
de pastagens já degradadas na Amazônia brasileira indicadas por uma estimativa
da EMBRAPA (Serrão & Toledo, 1990) representam uma área mais de 50 vezes a
das plantações manejadas no Jari. Esta
mesma estimativa indica outros cinco milhões de hectares como sendo
recentemente plantados em pastagens, que presumivelmente ainda estariam
produtivos. Esta área, embora não
classificada como "degradada" agora, pode ser esperada a entrar nesta
categoria dentro de uma década. Uma
matriz de Markov de probabilidades anuais de transição entre categorias de uso
da terra indica que a paisagem em áreas já desmatadas tende a evoluir
(presumindo que não haja mudanças no comportamento das pessoas) para um
equilíbrio com 44% em pastagens produtivas, 4% em agricultura, e o resto em
pastagem degradada ou em diferentes tipos de capoeira (Fearnside, 1996). Os custos de estabelecer e manter uma área
deste porte em qualquer uso da terra que exiga árvores plantadas seriam
colossais.
Sistemas
agroflorestais devem ser promovidos apenas em terras já desmatadas, mesmo se as
terras sob floresta virgem sejam melhores do ponto de vista da produtividade
dos sistemas. Sistemas agroflorestais
podem ajudar a aliviar pressões para desmatar floresta através de suprimento de
produtos madeireiros (Winterbottom & Hazelwood, 1987: 102), mas a
insistência sobre o não sacrifício da floresta nativa é essencial se as árvores
plantadas vão ter a sua promessa realizada em diminuir o desmatamento
(Budowski, 1984: 74). Fazer com que este
tipo de exigência funcione na prática pode ser difícil, como é demonstrado pela
explosão de desmatamento na Bolívia em 1991 em antecipação de um grande projeto
do Banco Mundial que estava programado para começar em 1992 para o benefício de
terras "já" desmatadas (John Robinson, comunicação pessoal, 1991).
A
tentação de usar terras florestadas é grande por causa do capital
"gratuito" de nutrientes presente no início. Em Rondônia, por exemplo, a Comissão
Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) insistiu no uso de terras
virgens como precondição para o financiamento do cacau (Fearnside, 1987a). O uso das terras degradadas, no lugar de
floresta virgem ou de capoeiras de alta biomassa, implica um custo em
nutrientes e/ou rendimentos menores. Um
conjunto de sistemas de cultivo de culturas anuais propostos como transições
para sistemas agroflorestais e outros usos da terra é especificamente não
recomendado para "solos nutricionalmente esgotados, compactados ou
invadidos por ervas daninhas que são o produto de mal manejo" (Sánchez
& Benites, 1987: 1527; ver também Benites, 1990). De fato, as vantagens da ciclagem de
nutrientes em sistemas agroflorestais são perdidas se não existem nutrientes
para serem reciclados (Sánchez, 1987, 1995; Szott et al., 1991).
Este
problema aplica também a decisões de agricultores sobre o uso de terra dentro
das suas propridades. A maioria das
propriedades contém áreas de terra em diferentes estágios de degradação,
incluindo floresta virgem e áreas recentemente desmatadas com solo ainda
relativamente fértil, além de áreas degradadas.
Quando fornecido com mudas e/ou outros insumos para estabelecer sistemas
agroflorestais, tais agricultores vão, naturalmente, colocar estes nas partes
da propriedade onde a produtividade esperada é melhor, e não na parte
degradada.
Tomadores
de decisões pensando sobre o problema do que fazer com as vastas extensões de
pastagens degradadas precisam confrontar a questão de como pagar os custos
elevados e/ou a produção que deixa de ser obtida, devido ao uso destas áreas ao
invés de terras virgens mais férteis.
Isto leva imediatamente à pergunta de quem deve ser beneficiado por um
programa desse tipo. Muitas das terras
degradadas se encontram em grandes fazendas que já têm recebido subsídios
generosos dos contribuintes brasileiros na forma de incentivos fiscais
administrados pelo SUDAM. Será que estas
mesmas empresas e indivíduos devem receber mais generosidade governamental na
forma de subsídios para recuperar para sistemas agroflorestais as terras
degradadas? Uma solução seria a de
distinguir entre incentivos "novos" e "velhos". Incentivos "velhos" seriam retidos
pelos seus beneficiários originais, mas seriam reconduzidos para sistemas
agroflorestais: desde que as verbas fossem usadas exclusivamente para implantar
estes sistemas em terras degradadas, os fazendeiros continuariam a receber o
dinheiro liberado na base de "direitos adquiridos" a empréstimos e
incentivos tributários para projetos pecuários aprovados pela SUDAM antes da
mudança da política em 1979 que suspendeu a aprovação de "novos"
incentivos na parte de floresta alta da Amazônia Legal, uma mudança reafirmada
em outubro de 1988 pelo Programa Nossa Natureza. O único uso permitido para incentivos
"novos", no entanto, seria para recuperar terras degradadas para o
benefício de pequenos agricultores.
O
programa de reforma agrária, do governo brasileiro, que visa transferência de
terras de projetos pecuários fracassados para pequenos agricultores sem terra,
está seguindo em ritmo de lesma devido a resistência tanto dentro como fora do
governo. Quaisquer decisões políticas
que sejam tomadas com referência à escala futura do programa de reforma agrária
ou de qualquer programa para promover sistemas agroflorestais nas pastagens
degradadas, limitações de terra e de outros recursos, exigem que estas medidas
farão apenas contribuições modestas a resolução dos problemas de terra
degradada e da população rural sem terra (ver Fearnside, 1987b, 1989d).
As
limitações dos sistemas agroflorestais esboçadas acima levam logo às questões
do que fazer com as partes ainda florestadas da Amazônia (já que sistemas
agroflorestais somente devem ser promovidos em áreas já desmatadas), o que
fazer com o restante da terra já desmatada que não pode ser destinada às agroflorestas,
e o que fazer com o resto da população que não pode ser acomodada nos
projetos. As terras que ainda não foram
desmatadas devem ser usadas para atividades tais como as reservas extrativistas
estabelecidas no Acre, Rondônia e outros lugares (Allegretti, 1990) e para
sistemas de manejo sustentável de floresta nativa (ver Fearnside, 1989b;
Rankin, 1979). Os aproximadamente 2% da
Amazônia Legal brasileira atualmente destinada a parques e florestas nacionais
devem ser aumentados em pelo menos cinco vezes.
A viabilidade de usos da terra que mantêm a presença de floresta exige
medidas para frear o desmatamento. Estas
incluem a restrição da construção de rodovias e a reforma dos procedimentos de
tomada de decisão para garantir que análises do impacto ambiental sejam
elaboradas, publicamente debatidas e imparcialmente julgadas para aprovação
antes de tomar qualquer decisão sobre a realização ou não dos projetos em
questão.
A
questão do que fazer com a parte da área já desmatada que não pode ser
convertida em sistemas agroflorestais não tem solução atualmente. Os insumos necessários para manter esta terra
em produção, ou sob pastagens ou sob outros usos, atualmente não são
justificáveis e, no caso de sistemas exigentes de adubos, são incompatíveis com
os estoques limitados destes recursos não renováveis. Para o futuro previsível, é possível que as
opções para muitas destas áreas sejam limitadas a deixá-las permanecer em
floresta secundária, assim pelo menos aproveitando de algumas das funções
ambientais da cobertura florestal, mais qualquer produção que pode ser obtida
das capoeiras como resultado de enriquecimento com espécies economicamente
valiosas.
O
que fazer com o resto da população que não pode ser acomodada em sistemas
agroflorestais ou de outros tipos sustentáveis é uma pergunta que exige
respostas imediatas. A reforma agrária é
necessária para que mais população rural seja sustentada na Amazônia e nas
áreas fontes dos migrantes que vêm para a região. Além disso, no entanto, o Brasil precisa enfrentar
a questão da migração da zona rural para as cidades. As políticas governamentais sempre têm sido
de fazer todo possível para evitar que a população rural migrasse para as
cidades, onde os migrantes causam problemas tais como aumento de criminalidade
e a visibilidade da pobreza justamente nos centros de poder político no
País. Os problemas que ocorrem em locais
remotos na Amazônia recebem uma prioridade muito mais baixa. Pessoas nas grandes cidades também tendem a
apoiar partidos políticos da oposição, independente de qual é o partido no
poder (um fenômeno evidente não somente no Brasil, mas no mundo inteiro). Líderes políticos, portanto, são fortemente
motivados a canalizar para áreas rurais na Amazônia o fluxo de população que
deixa a zona rural em outras partes do Brasil.
O
governo facilita o fluxo de população para a Amazônia a um custo financeiro
alto através da construção rodoviária e o estabelecimento de projetos de
assentamento. A despesa seria ainda mais
proibitiva se fosse feita a contabilidade dos custos ao longo prazo de fornecer
os adubos e outros insumos que seriam necessários para manter por prazo
indefinido a agricultura implantada pelos colonos. Os custos ambientais de encorajar o fluxo de
população para a Amazônia também são altos: uma pessoa que derruba a floresta
em Rondônia tem um impacto negativo no ambiente muito maior que alguém que mora
em São Paulo. Do ponto de vista de
emissões de gases de efeito estufa, a pessoa média na Amazônia em 1990 emitiu
gases de efeito estufa através do desmatamento equivalente a 150 brasileiros
queimando combustíveis fósseis em outras partes do País (Fearnside,
1992b). Pessoas morando no interior
também tendem a ter mais filhos do que pessoas nas cidades, assim magnificando
mais o seu impacto ambiental futuro. O
percentual da população que mora em áreas rurais tem declinado constantemente
de 69% em 1940 para 25% em 1991 (IBGE, 1992).
A agricultura no Brasil está se transformando rapidamente em sistemas
mecanizados e extensivos parecidos com os da América do Norte, onde menos que
5% da população é rural. O País só pode
se opor a maré de movimento campo-cidade para um momento breve na sua história,
porém a maior parte ou toda a floresta amazônica poderia ser perdida neste
processo. Ao invés de tentar desviar
para a Amazônia o êxodo de população rural das regiões sul e centro-sul, estas
pessoas deveriam ser encorajadas a se mudar para áreas urbanas, onde um emprego
que as mantenha em um nível aceitável de renda deveria ser oferecido.
CONCLUSÃO
Os
tomadores de decisões no Brasil precisam reconhecer a necessidade de manter a
população dentro da capacidade de suporte de cada região e do País como um
todo. Definir a capacidade de suporte
fatalmente leva a decisões específicas sobre os sistemas de produção usados e
os limites sobre os seus níveis de produção sustentável, o padrão médio de
renda e o nível mínimo aceitável, assim como a alocação dos recursos entre
gerações presentes e futuras. Embora
sistemas agroflorestais devem ser componentes importantes nos planos para uso
da terra na Amazônia, muitos dos problemas maiores que os tomadores de decisões
frequentemente querem resolver através da promoção deste uso da terra ficarão
sem resolução a não ser que as limitações dos sistemas agroflorestais sejam
reconhecidas e as decisões mais difíceis, porém de alcance maior, sejam tomadas
para parar com o desmatamento e estabilizar a população em equilíbrio com os
recursos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço
a Charles Clement, Reinaldo Barbosa, Claude Gascon, Florencia Montagnini,
Muriel Saragoussi, Christopher Uhl, Johannes Van Leeuwen, Summer Wilson e dois
referees anômimos pelos comentários sobre o manuscrito. Uma versão anterior deste trabalho foi
apresentada no congresso "Pro-Amazônia: Padrões de Uso de Recursos
Ecológico, Social e Economicamente Sustentáveis dos Trópicos Úmidos",
Manaus, 16 de junho de 1992, e aparece em inglês no livro Brazilian
Perspectives on Sustainable Development of the Amazon Region (Fearnside,
1995b). Agradeço à UNESCO pela permissão
de publicar esta versão.
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