QUESTÕES DE POSSE DA TERRA COMO
FATORES NA DESTRUIÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: O CASO DO SUL DO PARÁ
Philip
M. Fearnside
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16
de fevereiro de 2003
QUESTÕES DE POSSE DA TERRA COMO FATORES NA
DESTRUIÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: O CASO DO SUL DO PARÁ
ÍNDICE
Resumo
Palavras chaves
1. INTRODUÇÃO
2. QUESTÕES DE POSSE DA TERRA
(a) Estado Legal da terra
(b) Conflitos de Terra
(c) Fracasso e Sucesso de colonos
(d) Indústria de Expropriação
(e) Indústria de Invasão
(f) Aumento Contínuo de Demandas
(g) Fluxos de Migração
3. POSSE DA TERRA E O AMBIENTE
(a) Desmatamento
(b) Exploração Madeireira
(c) Serviços Ambientais
4. MEDIDAS NECESSÁRIAS
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
LITERATURA CITADA
LENDAS DAS FIGURAS
AGRADECIMENTOS
Resumo:
Questões sobre posse da terra têm influenciado as
taxas de desmatamento e a expansão da pecuária extensiva como o uso de terra
dominante na Amazônia brasileira. O Sul do Pará é a parte da Amazônia onde
estas questões são mais proeminentes. Uma análise desta região sobre a posse da
terra, as suas conseqüências ambientais e as medidas necessárias para resolver
os problemas, fornece informações valiosas para formular políticas que conduzam
a um desenvolvimento melhor em termos sociais e ambientais. É provável que os
problemas do Sul do Pará expandam para outras áreas da Amazônia. Revisão da
situação atual da posse da terra nessa região do Pará auxilia na identificação
de mudanças de política necessárias para reduzir o impacto ambiental.
PALAVRAS CHAVES: Amazônia, Posse da Terra, Reforma
Agrária, Desmatamento, Assentamentos
1. INTRODUÇÃO
Questões de posse da terra afetam praticamente
todas as decisões na Amazônia brasileira incluem os investimentos de
mão-de-obra e capital por proprietários de terras (tanto grandes quanto
pequenos), a migração de populações, a formação e ação de movimentos sociais e
o lançamento de programas governamentais e internacionais. Alémdisso, desmatamento
e exploração madeireira são resultados diretos destas decisões. Mudanças nos procedimentos
de posse da terra são imprescindíveis para redirecionar o desenvolvimento por
caminhos mais sustentáveis, socialmente benéficos e ambientalmente fundamentados
do que os atuais. O padrão atual de ocupação da terra é uma indicação ambiental
da ausência do controle de lei.
Problemas incluem lei de propriedade inadequada e um sistema de
financiamento que é caracterizado por fraude rotineira.
Alston
et al. (2000) recentemente
usaram uma abordagem conceitual de teoria de jogos para interpretar a freqüência
dos conflitos de terra no Pará, em termos dos interesses dos proprietários de
terras, e dos migrantes sem terra que invadem as suas propriedades. O desmatamento
é do interesse de ambos grupos, com a finalidade de aumentar a probabilidade de
um resultado favorável para o grupo em questão e para reduzir a probabilidade
de conflitos violentos. Ironicamente, o trabalho de Alston et al. (2000) indica que os esforços de assentamento do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) servem para aumentar a
probabilidade de conflitos violentos. A mesma lógica se aplicaria aos outros
meios pelos quais esforços do INCRA induzem os dois grupos a incrementaram esforços
para garantir a posse da terra que eles reivindicam, inclusive a atividade de desmatamento.
Como em qualquer parte da Terra, o número de
pessoas que podem ser sustentadas em áreas rurais na Amazônia está limitado por
diversos fatores. Entre eles, a área disponível para assentamento, o nível
médio da produtividade agrícola por hectare que pode ser sustentado, o nível de
consumo da população e as limitações devido aos impactos ambientais, tais como o
desmatamento (Fearnside, 1986a). Na Amazônia, a área total que pode ser
desmatada é limitada por impactos sérios de desmatamento em larga escala,
enquanto a área na qual a agricultura ou a pecuária pode ser intensificada está
limitada por recursos físicos, tais como fosfato (Fearnside, 1997a,b).
A distribuição desigual da posse da terra na
Amazônia brasileira representa uma limitação severa sobre a área alocada para
agricultura familiar porque a maioria da terra privada é atualmente de grandes proprietários. Da área total de terra privada (inclusive
florestas) nos estados amazônicos, 62% estavam em propriedades de 1.000 ha ou
maior na época do censo agrícola em 1986 (Brasil, IBGE, 1989). Dos quatro
milhões de km2 da Amazônia brasileira que eram originalmente
florestados (uma área do tamanho da Europa Ocidental), a área desmatada até
1998 totalizou 551.782 km2 (Brasil, INPE, 2000), uma área
maior que a França. Pelo menos 80% dessa área estão hoje sob pastagem ou floresta
secundária em pastagens que foram degradadas e abandonadas (Fearnside, 1996).
Muito da área de pastagem está nas mãos de grandes proprietários de terras. A
redistribuição de pastagens das grandes fazendas à população de sem terra da
região, e a conversão destas áreas para agricultura familiar, representaria um
avanço significativo na redução das extremas desigualdades sociais que
predominam hoje no Brasil.
Apesar do tamanho vasto da Amazônia, a população
de sem terra do Brasil de 4,8 milhões de famílias (Langevin & Rosset, 2000)
é muito grande para ser sustentada pela distribuição de terra na Amazônia
(Fearnside, 1985). Devem ser encontradas soluções fora de Amazônia para sustentar
as populações de sem terra nos estados não-amazônicos. A continuação da
migração desta população para a Amazônia torna inviável qualquer plano para
sustentar a atual população rural da região por meio da “reforma agrária”. Na prática, esse termo é usado para incluir
tanto a redistribuição das grandes propriedades privadas como a distribuição de
áreas de floresta no domínio público., pratica que fica evidente no Sul do Pará.
É provável que os problemas do Sul do Pará estendem para áreas cada vez maiores
na Amazônia. Portanto, lições aprendidas com a problemática dessa região darão
valiosas contribuições para decisões em toda a região amazônica. O presente trabalho examina a atual situação
de posse da terra no Sul do Pará e as tentativas para identificar mudanças de
política que reduziriam o seu impacto ambiental.
2. QUESTÕES
DE POSSE DA TERRA
(a) O Estado Legal da Terra
A maioria da terra nos cinco milhões de km2 da Amazônia Legal (Fig. 1) estava, até recentemente, sob o domínio público,
ou sob o governo federal ou sob os governos estaduais. A terra pode ser
incorporada a propriedades privadas por meio de vários mecanismos. Legalmente, as
terras públicas podem ser vendidas a grandes proprietários privados por meio de
licitações, enquanto parcelas pequenas de terra, chamados de “lotes”, podem ser
vendidas para colonos em áreas de assentamento patrocinadas pelo governo. Os
lotes distribuídos para famílias de pequenos colonos eram de 100 ha nos anos
1970 e de 50 ha nos anos 1980. Na época, a terra era vendida sob condições
favoráveis, com períodos de carência de cinco anos e 6% de juros (muito abaixo
da taxa anual de inflação). Na prática, oportunidades para obter terra pública
por meios legais normalmente eram raras, e atualmente são inexistentes. Embora
grandes áreas de terras públicas foram distribuídas dessa maneira nos anos de
1970, tais distribuições não tem acontecido desde 1987. Entre tanto, por meio
de uma tradição de longa data, desde os tempos coloniais, tem realizado a
maioria das transferências de terra pública para a propriedade privada por meio
de invasões ilegais, tanto por grandes proprietários como pequenos. O papel do
governo fica restrito à “regularização” ou “legalização” a posteriori das propriedades que existem no chão (por exemplo,
Rosenn, 1971).
[Figura
1 aqui]
Atualmente, a reforma agrária é feita predominantemente
por redistribuição de grandes propriedades privadas, em vez de terras públicas.
O procedimento legal para esta redistribuição tem sido, até agora, a expropriação
e indenização dos proprietários de terras, de acordo com o Estatuto da Terra (Lei
4.330 de 30 de novembro de 1964). Desde
1985, as indenizações têm sido pagas em Títulos de Dívida Agrária (TDAs), em
vez de dinheiro vivo, assim permitindo expropriações mais rápidas. Os TDAs
vencem em períodos variados que dependem do tamanho da área expropriada, geralmente
em 20 anos. A terra é distribuída a colonos pelo INCRA. A expropriação e
distribuição da terra procederam muito lentamente até 1994, quando o ritmo acelerou
notadamente como resultado direto de ocupação de terra por várias organizações
de base, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Em
apenas cinco anos, de 1995 a 1999, foram se instaladas 372.866 famílias no
Brasil, mais do que as 218.000 famílias instaladas ao longo dos 30 anos
anteriores desde o Estatuto da Terra, de 1964 (Schwartzman, 2000).
Desde 1997, um sistema “dirigido pelo mercado” de
reforma agrária está sendo testado em cinco estados da região Nordeste, dentro do
programa “Cédula da Terra”, financiado pelo Banco Mundial. A terra é comprada
por meio de pagamentos em dinheiro vivo para os proprietários das terras a
preços de mercado, e é financiada com empréstimos aos colonos com períodos de
carência de três anos e 18% de juros anuais. O programa é resistido pelo MST,
que vê, nessa situação, um esforço para minar o seu papel na iniciação da
reforma agrária. O programa também é criticado pelas condições desfavoráveis de
empréstimos, que são improváveis de serem pagos pela produção agrícola nos
lotes (Schwartzman, 2000). Este programa está sendo estendido ao resto do País,
por meio do projeto “Banco da Terra”, do Banco Mundial, de US$2 bilhões em seis
anos. Até julho de 2000, o modelo de expropriação
e indenização ainda predominava no Estado do Pará.
Antes das estradas chegarem no interior da
Amazônia no início dos anos 1970, grandes áreas de terra foram concedidas a
longo prazo como concessões (aforamentos) para colheita de produtos como
seringa (Hevea brasiliensis) ou
castanha do Pará (Bertholletia excelsa).
A terra muitas vezes foi conseguida por “grileiros”
com documentos falsificados, em combinação com subornos, ameaças e violência, para
obter áreas ilicitamente. No Brasil como um todo hoje, 75% das propriedades com
mais de 10.000 ha de área (latifúndios) têm títulos inválidos, de acordo com o
Ministro do Desenvolvimento Fundiário (de Souza, 2000). Uma parte significativa
da terra no Pará é registrada no nome de “fantasmas”, ou seja, pessoas
fictícias (Pinto, 1999). Estas irregularidades são facilitadas pelo
sistema bizantino brasileiro de inscrição de títulos da terra, onde diferentes
cartórios podem arquivar uma variedade de documentos, que datam de períodos
históricos diferentes. Reivindicações de terra freqüentemente se sobrepõem e,
até que o planejado Cadastro Nacional da Terra seja implementado, a maioria dos
documentos da terra não têm informações geo-referênciadas sobre os limites das
propriedades.
Em julho de 2000 o Ministério do Desenvolvimento Fundiário cancelou as inscrições de 1.899
grandes propriedades (77% do número total) como parte de um esforço para
conferir a documentação de grandes propriedades em todo o País (Brasil, MDF,
2000). No Pará, 344 registros foram cancelados, ou 88% dos latifúndios no Estado.
Propriedades com registros cancelados não podem ser vendidas, subdivididas,
alugadas ou hipotecadas, até que um título válido seja apresentado ao INCRA. A
prevalência de títulos irregulares significa que a situação de posse da terra na
área poderia mudar radicalmente se as terras que atualmente se encontram nas
mãos de “grileiros” fossem desapropriadas de fato.
No Sul e Sudeste do Pará, que daqui por diante será
denominado o “Sul do Pará” (Fig. 1), a iniciativa de assentar pequenos
agricultores vem principalmente de uma variedade de movimentos sociais que
organizam migrantes sem terra. Enquanto o MST é o maior destes movimentos na
escala nacional, e o que exerce mais pressão política sobre o governo federal,
no Sul do Pará a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) é o
maior. Movimentos sociais fixam acampamentos, ou em terra privada ou nas
margens de estrada em frente às propriedades que eles desejam que o governo expropriasse.
Se o governo aceitar essa demanda, os acampamentos ou são transformados em assentamentos
do INCRA ou são oferecidas às pessoas lotes de terra em um assentamento em
outro local.
Até julho de 2000, o INCRA teve 276 assentamentos
no Sul do Pará, contendo 46.000 famílias legalmente reconhecidas (além de uma
população flutuante significativa). Aproximadamente 5.000 famílias adicionais
estavam esperando em 29 acampamentos. Os acampamentos estabelecidos por
movimentos sociais recebem uma doação de comida (cesta básica) do INCRA, desde
que eles não invadam terra privada. A entrada de migrantes em terra privada,
chamada de “invasão” pelo governo e de “ocupação” pelos migrantes, ainda é
comum, apesar da política do INCRA, que começou em 1999, de não inspecionar e
expropriar propriedades que foram invadidas.
Atualmente as atenções estão focalizadas na Fazenda Cabaceiras (35 km ao
sul de Marabá). O MST acampou nesta fazenda desde abril de 1999, e os ocupantes
se retiraram temporariamente para a margem da estrada em julho de 2000 para permitir
a inspeção do INCRA que é exigida para uma decisão sobre a expropriação.
Áreas vastas de pastagem dominam o uso de terra na
área, se estendendo além do horizonte de visão das estradas principais. A
maioria da terra se encontra em grandes fazendas de pecuária, freqüentemente
com donos ausentes. Pelo menos nove grandes fazendas (cada uma com
aproximadamente 10.000 ha) são da família Mutran, que obteve concessões de 99 anos
para exploração de castanha do Pará antes da área se tornar acessível ao
transporte rodoviário (e.g., Bunker, 1985; de Almeida, 1995; Emmi, 1988). O estado legal destas concessões é um ponto
fundamental a ser resolvido nas atuais disputas fundiárias. O MST argumenta que
as concessões só permitem a colheita de castanha do Pará, não o desmatamento ou
a exploração madeireira. Estas concessões são controladas pelo Instituto Estadual
de Terras do Pará (ITERPA), ao invés de serem controladas pelo órgão federal
(INCRA). Prováveis complicações legais incluem a possibilidade dos fazendeiros reivindicar
que os termos de concessão tinham sido violados “de boa fé” e a grande dificuldade
de remover qualquer pessoa (grande ou pequena) que ocupa uma terra sem oposição
durante mais de um ano, de acordo com a lei brasileira. A existência de
pastagens serve como prova de que os fazendeiros estão ocupando a terra de
forma produtiva. Pastagem também conta como “benfeitoria” na terra que deve ser
indenizada se a terra for desapropriada, impondo, assim, limites práticos sobre
a quantidade de terra com pastagem que o governo pode expropriar.
O MST afirma que pastagem não é “terra produtiva”
(classificação como “improdutivo” permite a expropriação), argumentando que a pastagem
não cumpre a “função social da terra”, requerida pela constituição brasileira
de 1988 (Artigo 184). A interpretação do MST da “função social” é que a terra
tem que produzir comida e emprego. Embora os sistemas de pecuária extensiva que
predominam nas fazendas fornecem carne de boi e empregos, as quantidades de
cada produzidas por hectare são minúsculas (Hecht, 1993). O INCRA classifica a produtividade,
baseado em um sistema de pontuação que inclui pontos para pastagem com base na
densidade de gado presente e o retorno econômico da operação. No caso da
Fazenda Cabaceiras, uma equipe do INCRA com dois observadores do MST começaram
a inspecionar a fazenda em julho de 2000 para decidir a sua classificação como
“produtiva” ou “improdutiva”.
(b) Conflitos de Terra
O Sul do Pará é uma região de 40 municípios que
cobre 49 milhões de hectares, e periodicamente é proposto que essa região se
torna um estado separado de “Carajás”, com a capital localizada em Marabá. Esta
área é conhecida como a parte de Amazônia onde questões fundiárias são muito explosivas,
com uma série contínua de conflitos violentos de terra entre os pequenos agricultores
e os grandes proprietários de terras, desde o início dos anos 1970 (e.g., Foweraker, 1981; Schmink, 1982). Foi nessa área que 19 membros do MST foram
mortos a tiros pela Polícia Federal em abril de 1996, no massacre de Eldorado
dos Carajás, um evento que resultou em mudanças abruptas nas políticas públicas
na área. A colonização durante os anos 1970 seguiu o modelo dos Projetos de
Colonização Integrado (PICs), pesadamente subsidiados, da Rodovia Transamazônica
(Smith, 1982). Nos anos 1980, o fluxo de migrantes aumentou dramaticamente,
levando à substituição do INCRA na área em 1980, pelo Grupo Executivo das
Terras do Araguaia e Tocantins (GETAT), uma agência militar que realizou
expropriações sumárias de terra privada que não tinha “melhorias” (i.e., áreas florestadas) e distribuição
rápida da terra como lotes em áreas de assentamento com infra-estrutura mínima.
A terra em volta da área de mineração do Carajás era de prioridade máxima (e.g.,
Fearnside, 1986b).
O GETAT foi extinto em 1987, seguido por um hiato
de 11 anos durante os quais a reforma agrária permaneceu paralisada, até que o
INCRA reiniciou atividades na área em novembro de 1996, como resultado do massacre
de Eldorado dos Carajás. Enquanto isso, as populações urbanas e rurais
desempregadas tinham aumentado muito após o esgotamento da mina de ouro da Serra
Pelada, ao término dos anos 1980. As demissões em massa pela companhia que
opera as minas de ferro do Carajás (Companhia Vale do Rio Doce: CVRD),
privatizada em 1997, incrementaram a crise. Insuficiências no restabelecimento
das 23.871 pessoas deslocadas pela represa de Tucuruí em 1984, também agravaram
os problemas sociais (Fearnside, 1999a). Por exemplo, na Área de Assentamento Rio
Moju, 60% das famílias que foram transferidas da área do reservatório venderam
ou abandonaram os seus lotes nos primeiros seis anos de assentamento
(Magalhães, 1994, pág. 454).
Conflitos entre fazendeiros e posseiros têm sido comuns
ao longo do tempo, mas agora conflitos também estão surgindo entre migrantes
recém-chegados e os colonos já estabelecidos que têm lotes de 20-25 ha em áreas
de assentamento do INCRA, tais como a área Progresso estabelecida em 1987.
Áreas como esta contem populações flutuantes significantes, incluindo migrantes
individuais que não se uniram aos movimentos organizados e migrantes que já receberam
lotes previamente do INCRA e que agora são desqualificados de ser assentados
novamente.
(c) Fracasso e Sucesso de Colonos
A dificuldade de implantar e manter sistemas de
produção sustentáveis em áreas de assentamento na Amazônia é aparente. Entre
outras deficiências, os colonos freqüentemente têm pouco conhecimento de como
administrar uma propriedade, incluindo habilidades administrativas básicas e
conhecimento dos problemas especiais de agricultura amazônica. Em alguns casos,
como os projetos Palmares-I e –II, os colonos foram trazidos de favelas nos
arredores de Marabá. Moradores de rua urbanos são péssimos agricultores, já que
esta profissão requer pelo menos tanto conhecimento especializado quanto
empregos urbanos (Moran, 1981). Deveria ser enfatizado que a falta de sucesso
de muitos migrantes em projetos de assentamento de governo não é o resultado de
qualquer defeito inerente nas pessoas que são assentadas, como às vezes é
alegado por funcionários do governo (veja de Almeida, 1994). O fracasso é, freqüentemente,
o resultado da falta de apoio material oportuno e apropriado, assim como também
a falta de uma combinação de informações e atitudes que precisam ser adquiridas.
A substituição de lotes é um problema perene que
inibe uma redução nas taxas de desmatamento. Quando lotes são abandonados ou
vendidos, os donos anteriores se mudam para desmatar em outro lugar. Se
abandonado, o lote deixado para trás permanece inalterado durante um período de
tempo, mas pode ser invadido por migrantes sem terra. Se o lote é comprado por
uma segunda onda de colonos, é provável será englobado por com lotes vizinhos
para formar uma pequena fazenda. As dívidas bancárias, incluindo as do Programa
Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF), são ligadas aos lotes, em vez de
serem ligadas às pessoas que receberam os empréstimos. Isto serve como um forte
estímulo para abandonar os lotes, depois que os recursos do financiamento são
recebidos. Também torna difícil a venda dos lotes abandonados, já que o
comprador teria que herdar as dívidas do dono anterior. Freqüentemente, os que
abandonam seus lotes estão fugindo com o dinheiro do empréstimo, e dessa forma,
o comprador subseqüente estaria assumindo a dívida sem um nível correspondente
de melhorias no lote, oriundas do investimento dos fundos de financiamento. O
resultado é que os bancos ficam com lotes expostos, sujeitos às invasões pela
população flutuante.
A extensão agrícola (incluindo serviços
educacionais) é essencial para implantar sistemas sustentáveis. A EMATER, a
agência federal para extensão agrícola, tem, nos anos recentes, limitado as suas
atividades a servir de intermediário para o crédito agrícola, em vez de agir
como uma agência de extensão. Em 1997, o INCRA estabeleceu um programa de extensão
independente chamado “Projeto Lumiar”, que foi extinto em junho de 2000 devido
a dificuldades legais. Esse projeto alocou
agentes de extensão agrícola para cuidar de colonos em 29 dos 276 projetos de assentamento
(11%) no Sul do Pará. Os agentes foram espalhados de forma esparsa nos projetos
favorecidos; por exemplo, no projeto Palmares-II, três agentes cobriam 517
famílias em uma área de 15.000 ha. Financiamentos do PRONAF concedem até R$9.500
(US$5.135) por família para projetos julgados a serem apropriados para a terra
de cada assentado, tais como vacas leiteiras para os com pastagem e cupuaçu (Theobroma grandiflorum) ou mudas de coco
(ambos irrigados) e para os com floresta. A associação que organiza os colonos
em uma área de assentamento pode deduzir 2% dos fundos do PRONAF, com a
finalidade de contratar uma empresa privada para fornecer os serviços de
extensão. Freqüentemente, as associações de colonos não foram felizes nas suas escolhas
de empresas de extensão. Por exemplo, o assentamento Progresso escolheu uma
empresa (AGROPAN) sem agentes de extensão qualificados; o dinheiro acabou e a
empresa efetivamente desapareceu.
Problemas crônicos incluem a corrupção em agências
de governo e às vezes também entre os dirigentes das associações que, em várias
ocasiões, fugiram com os fundos obtidos para as suas associações financiadas
pelo PRONAF (por exemplo, a área de assentamento Progresso). Decisões financeiras insustentáveis também são
abundantes. Um exemplo foi a associação liderada pelo MST na área de
assentamento Palmares-II, que aceitou um financiamento generoso, oferecido após
o massacre de Eldorado dos Carajás, para obter uma usina mecanizada de farinha
de mandioca, uma usina de ração para galinhas, uma usina de leite, um matadouro
de galinhas, e vários caminhões e tratores. Com exceção dos veículos e o uso
ocasional da usina de ração para galinhas, todas as instalações estão inativas.
O financiamento de 10 anos tinha um período de carência de dois anos que expirava
em 2001, antes que qualquer produção agrícola significante fosse esperada.
É importante entender que a agricultura no Brasil
recebe subsídios governamentais de muitos tipos, freqüentemente incluindo
“anistias” nas quais são perdoadas as dívidas não pagas. Isto se aplica tanto
aos grandes fazendeiros e agroindústrias quanto aos pequenos agricultores. A
situação nos E.U.A. na “bacia de poeira” dos anos 1930, quando os bancos executaram
hipotecas inadimplentes, expulsando milhares de pequenos agricultores das suas
terras, seria politicamente inconcebível no Brasil contemporâneo. Ao invés
disso, o curso normal de eventos no Brasil hoje é a prorrogação dos períodos de
empréstimo quando os rendimentos da colheita são pobres, freqüentemente terminando
em um calote.
As experiências dos assentamentos Progresso e Palmares-II
indicam que, por si só, o apoio material não é suficiente para superar as
barreiras ao estabelecimento de agricultura próspera. O sucesso de colonos
individuais e de associações de colono depende fortemente de iniciativa
individual. Um exemplo é fornecido pela cooperativa CORRENTÃO em Nova Ipixuna,
onde o apoio material e a liderança local coincidiram na montagem de uma usina
de beneficiamento de cupuaçu, açaí (Euterpe
oleracea) e outros produtos não madeireiros extraídos da floresta. Embora os
recursos limitados para apoio material sempre possam ser direcionados apenas para
os projetos com liderança forte, isto não resolveria o problema do que fazer
com o resto dos assentamentos. É necessário criar mecanismos para nutrir
ativamente a iniciativa.
(d) Indústria de Expropriação
A compensação generosa de fazendeiros por terras
expropriadas fez com que alguns fazendeiros com dificuldades econômicas ficassem
ansiosos para ter as suas terras expropriadas para a reforma agrária. O INCRA,
freqüentemente, paga mais por hectare como indenização das “melhorias”
(principalmente pastagem) do que as fazendas expropriadas valeriam se fossem
vendidas no mercado livre (corrupção é freqüentemente alegada no processo de
fixar os valores das indenizações). Em alguns casos, condições favoráveis
conduziram a uma forma de conspiração entre organizações de sem terras, fazendeiros
e o Banco do Brasil. Um fazendeiro com grandes
dívidas pode convidar uma organização de sem terras para invadir a propriedade
(ou, alternativamente, estabelecer um acampamento à margem da estrada na frente
da propriedade sem invadir a mesma). Quando o INCRA desapropria a propriedade,
a indenização permite o pagamento da dívida bancária, que é vantajoso para o
banco por causa da alta probabilidade do fazendeiro deixar de honrar o
empréstimo caso a invasão e expropriação não tivessem acontecido. Os sem terras
tem o benefício de obter as terras com pouco risco de resistência violenta. Em
termos ambientais, esta situação resulta em desmatamento adicional, já que a
invasão quase sempre acontece na porção florestada das propriedades. A invasão
de propriedades endividadas é aparentemente comum no Mato Grosso, mas na área
de Marabá o INCRA estima que estes casos representem, aproximadamente, apenas
10% do total.
A compensação pela terra expropriada é geralmente
paga na forma de TDAs, que podem ser usados, no seu valor nominal, para pagar
dívidas no Banco do Brasil. No mercado livre, estes títulos tradicionalmente
são vendidos por apenas uma fração do valor nominal, e freqüentemente são
chamados de “títulos podres”. Desde 1996, no entanto, o governo federal tem
privatizado uma série de grandes empresas estatais, e os consórcios
(normalmente multinacionais) que compram estas empresas podem pagar por elas
usando TDAs, no valor nominal. O resultado é que, no mercado secundário para
TDAs, o valor subiu aos níveis mais altos da história. Atualmente, isto faz com
que seja especialmente atraente para fazendeiros terem as suas terras
desapropriadas, incentivando a conspiração entre as organizações de migrantes sem
terra e os donos de fazendas, conduzindo ao desmatamento mais rápido.
(e) Indústria de Invasão
Uma acusação freqüente pelo INCRA é a existência de
uma “indústria de invasão”, na qual os migrantes recebem terras do INCRA,
vendem as terras, e recebem terras novamente em outros assentamentos.
Freqüentemente eles registram o segundo lote no nome de um cônjuge ou uma criança.
Pelo menos teoricamente, o INCRA desqualifica os que são descobertos neste processo
(uma ocorrência rara na prática). Funcionários do INCRA relatam de que em
alguns dos acampamentos, particularmente os organizados pelo Movimento de Luta
pela Terra (MLT), a maioria dos migrantes são subsidiados por patrões urbanos,
tais como lojistas nas cidades vizinhas como Curionópolis e Parauapebas. Os
migrantes passariam as terras para os seus patrões assim que eles recebessem as
terras do INCRA. Parte desse problema poderia ser resolvida aplicando impostos
pesados sobre vendas de terras, possivelmente junto com um aumento nas
barreiras burocráticas para a transferência dos títulos de terra. A falta de um
cadastro nacional adequado dos migrantes assentados impede medidas efetivas
para acabar com a “indústria de invasão”.
A identificação efetiva de pessoas que já
possuíram lotes é apenas uma parte do problema. Embora a resolução desse
problema aliviaria o governo da despesa infinita de assentar as mesmas pessoas
repetidamente, o problema não termina aí. Uma população flutuante de migrantes sem
terra que já são inelegíveis para assentamento existe e contribui para o nível
crescente de conflito entre os pequenos proprietários já assentados e os
invasores individuais. Esta população flutuante crescerá substancialmente se um
sistema de cadastro melhorado começar a funcionar. Também vale a pena notar que
a suposição de que qualquer pessoa tem o direito a uma oportunidade de ser
assentada em um projeto do INCRA representa uma questão em aberto. Por exemplo,
se a proposta de alguns atores (como a FETAGRI) para um zoneamento ecológico-econômico
nesta parte do Pará for adotada, isto implica em um limite à quantidade de
terra que será destinada à reforma agrária, e, portanto, um limite ao número de
famílias que poderão ser assentadas na área. A mensagem aos migrantes que
chegam depois que as áreas zoneadas para assentamentos já foram distribuídas
como lotes seria, então, que estes migrantes não teriam nenhum direito a receber
um lote do INCRA na região.
(f) Aumento Contínuo de Demandas
Uma das marcas características do MST é o papel
central da ideologia: outras metas políticas são importantes ao movimento além
de ganhar terras e ajudar os migrantes assentados nelas (Silveira, 2000). O MST
é dividido em grupos que exigem expropriações adicionais para novos assentamentos
e os que representam migrantes que já obtiveram terras e agora querem crédito,
extensão agrícola e outros benefícios do governo (e.g., Figueiredo, 2000). Uma vez que a terra é obtida, os migrantes freqüentemente
trocam as suas demandas para crédito, estradas e assistência técnica. Esta
transição pode conduzir para uma evolução de demandas ou para um fracionamento
em grupos menores com ênfases diferentes; por exemplo, o projeto Palmares se
dividiu no projeto Palmares-I (menos ideológico) e os assentamentos de
Palmares-II (mais ideológico). Organizações diferentes adotam uma gama de
orientações diferentes. Por exemplo, a FETAGRI focaliza nas necessidades de
sustentar a agricultura para os que já foram assentados em uma parcela de
terra.
É esperado que as famílias dêem um subsídio às
invasões em fazendas privadas no caso dos assentamentos e acampamentos do MST
(como a Fazenda Cabaceiras). Isto é feito compartilhando a cota mensal de
comida dada pelo INCRA até que o primeiro financiamento da PRONAF chegue
(obviamente, estas fontes de apoio governamental não são disponíveis aos
ocupantes de terras privadas). Depois, é esperado que os agricultores nos assentamentos
estabelecidos compartilhem com a organização parte da produção dos seus lotes.
Isto cria um problema óbvio para um assentamento como Palmares-II, que não tem
produção agrícola suficiente para pagar o financiamento concedido. Por outro
lado, o sistema do MST de financiar as suas atividades acrescenta um elemento
importante de independência às fases iniciais das suas iniciativas de ocupação
de terra. Em fases posteriores, aumenta a demanda por fontes de apoio
governamental, assim como, freqüentemente, também é o caso em assentamentos que
não são do MST.
A dependência da ajuda governamental tende a se
tornar um espiral infinito de aumento contínuo de demandas, que, mais cedo ou
mais tarde, deve parar. Um exemplo é fornecido pela antiga Fazenda Bamerindus,
onde os colonos no assentamento Progresso que receberam lotes de 20 ha com
cacau estão clamando agora para dinheiro para pagar outros para podar as
árvores de cacau para eles (observação pessoal). Para colonos na maioria das
áreas de assentamento, receber terra já com árvores de cacau saudáveis e em
produção seria um sonho, ao invéz de ser uma razão para reclamações.
(g) Fluxos de Migração
Migrantes novos chegam na região em um fluxo
contínuo, especialmente os do Estado do Maranhão que chegam pela Estrada de Ferro
de Carajás. O Maranhão é um estado conhecido pela pobreza extrema, crescimento
populacional rápido e distribuição de posse da terra altamente concentrada. Os migrantes
são expelidos do Maranhão por um padrão de desenvolvimento que continua
aumentando a concentração de riqueza nas mãos de uma elite pequena, empobrecendo
a maioria da população. De acordo com o INCRA, uma média de 100 famílias chega
por semana de trem. Os funcionários do INCRA relatam que os governos municipais
no Maranhão regularmente pagam a passagem de trem para exportar população.
A barreira básica contra a solução dos problemas
de posse da terra no Sul do Pará é o fluxo contínuo de migrantes. A grande
maioria vem do Maranhão, embora alguns venham de outras áreas. Se o fluxo de população
do Maranhão fosse paralisado por meio de melhorias na organização dos assentamentos
na área de Marabá e as fronteiras fossem fechadas por meio do zoneamento, junto
com esforços para fazer cumprir as restrições sobre instalação de assentamentos
em áreas de floresta, as condições enfrentadas pelos migrantes que chegam de
trem teriam que ser substancialmente piores do que as atuais para paralisar
esse fluxo. Já que, atualmente, os migrantes enfrentam sofrimentos dramáticos,
inclusive risco significativo de serem mortos em conflitos violentos com os proprietários
de terras, essa opção para desencorajar os migrantes em potencial é
inaceitável.
A chegada contínua de população de sem terras é um
aspecto da situação que é diferente do problema da grande reserva de migrantes
não assentados no Sul do Pará. A migração para a área é um problema que deve
ser solucionado para conter a degradação social e ambiental na região. A provisão
de serviço de passageiro desempenha um papel de relações públicas para a CVRD,
que, compreensivelmente, quer mostrar que a companhia fornece benefícios
sociais à região, e não somente remove o minério de ferro da mina de Carajás, a
maior jazida de minério de ferro, de alto teor, do mundo. Obviamente, o custo
ambiental de facilitar o movimento de populações para áreas de floresta
tropical não é enfatizado na propaganda da companhia.
A Estrada de Ferro de Carajás, completada em 1984,
foi financiada pelo Banco Mundial, a Comunidade Econômica Européia e o Banco de
Importação-Exportação Japonês. Na ocasião, foi considerado um “modelo de
progresso ambiental” (Goodland, 1985). No entanto, a avaliação ambiental do
Banco Mundial avaliou apenas os impactos diretos, e a área de influência
considerada foi limitada a uma faixa de 100 km ao longo da estrada de ferro,
mais as áreas em volta da mina e do porto (Fearnside, 1989). O Programa Piloto para a Conservação das
Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) atualmente fornece um arcabouço através
de que esforços para conter a destruição ambiental nesta parte da Amazônia
poderiam ser financiados pelas mesmas fontes que originalmente financiaram a
estrada de ferro (Brasil, MMA, 2000).
3. POSSE
DA TERRA E O MEIO AMBIENTE
(a) Desmatamento
Por muitos anos fazendeiros consideraram que eles
eram “obrigados” a desmatar floresta para garantir a posse da terra, porque,
apesar das proibições contra o desmatamento, qualquer proprietário de terras
que não desmatasse, na prática, perderia a terra, ou pela expropriação ou pela
invasão. Problemas de posse da terra estão conduzindo à destruição ambiental tanto
por efeitos diretos como por indiretos, fazendo com que o desmatamento por grandes
e pequenos proprietários de terras se procede mais depressa. Deveria ser
enfatizado que a maior parte do desmatamento é realizado por propriedades
grandes e médias (Fearnside, 1993, 1997c). Imagens do satélite LANDSAT de 1998
indicam um pouco mais da metade do desmatamento feito ao longo do período
1997-1998 na Amazônia brasileira foi observada em áreas contínuas de, pelo
menos, 100 ha de extensão (Brasil, INPE, 2000), uma escala de atividade que
excede por pelo menos um fator de 20 o que um agricultor pequeno pode desmatar
em um único ano, usando mão-de-obra familiar.
A invasão atual de fazendas grandes por camponeses
de sem terra organizados acontece quase exclusivamente nas porções florestadas
das propriedades (por exemplo, a Fazenda Cabaceiras). Esse resultado se deve, certamente, em parte,
à maior probabilidade dos fazendeiros reagirem com resistência armada se as
áreas de pastagem das propriedades fossem invadidas. Outro fator importante é a
dificuldade de plantar culturas anuais, como arroz e milho, em áreas de pasto
por causa do solo compactado, o tapete grosso de raízes de capim, e a tendência
do capim rebrotar como uma erva daninha, depois que as culturas já estão
estabelecidas. A conversão de pastagem
para culturas agrícolas é uma tarefa muito difícil usando ferramentas manuais.
A manutenção da produtividade das pastagens também
enfrenta impedimentos, tanto para pequenos colonos como para grandes fazendeiros.
A pastagem degrada depois de aproximadamente dez anos, mas pode ser “recuperada”
se os troncos e tocos fossem retirados mecanicamente e a terra fosse arada,
fertilizada, corrigida (com calcário) e replantada (Faminow, 1998; Mattos &
Uhl, 1994). Em 2000, estas operações tiveram um custo aproximado de R$1.500
(US$811) por hectare, muito maior que o preço médio de R$350/ha (US$180/ha) da
terra com pastagem ou R$80/ha (US$43/ha) para terra com floresta. Este fato
desencoraja a intensificação da pastagem, uma vez que haja terra disponível
para compra.
O processo de assentamento conduz a desmatar
floresta adicional até mesmo para a porção da população que é assentada em
áreas já desmatadas. Por exemplo, na área de assentamento Palmares-I (começada
em 1993), colonos que receberam lotes de terra de pastagem muitas vezes
plantaram as suas culturas anuais nas terras dos seus vizinhos que receberam
terra ainda sob floresta. Os assentamentos conduzem, inexoravelmente, a uma
paisagem dominada por pastagem que, com a exceção da maior densidade de casas,
tem o mesmo aspecto geral das vastas áreas de pastagem nas grandes propriedades
vizinhas. A área de assentamento Boca do Cardoso, iniciada pelo GETAT em 1986
em uma área de floresta contínua dominada por árvores de castanha do Pará,
fornece um exemplo triste. A falta de fixação da população de colonos é tão
aparente hoje como era nos anos 1970 nos PICs, ao longo da Rodovia Transamazônica
(Rodovia BR-230), onde quase todos os colonos originais venderam e foram embora.
Em Boca do Cardoso, um colono da segunda onda de parceleiros comprou 11 lotes,
que ele administra como uma pequena fazenda de pecuária (observação pessoal). O
padrão de substituição dos donos dos lotes e consolidação em propriedades
maiores repete a experiência da Rodovia Transamazônica (Fearnside, 1986a).
O processo de estabelecer áreas de assentamento leva
a investimentos de infra-estrutura que induzem desmatamento adicional. O INCRA atualmente
quer construir 25.000 km de estradas de acesso para os 276 assentamentos
existentes (no entanto, até julho de 2000 a agência tinha fundos apenas para 1.200
km). Embora o acesso por estrada seja essencial para agricultura comercial se
tornar viável, também é bem conhecido como um fator fundamental em apressar o desmatamento
(Fearnside, 1987).
O INCRA não tem iniciado assentamentos novos em
áreas florestadas na Amazônia desde 1996. Em novembro de 1999, esta prática foi
formalizada por uma Portaria (INCRA / IBAMA 88/98), com a exigência de
selecionar somente áreas não florestadas para novos assentamentos do INCRA.
Embora essa portaria tenha sido citada freqüentemente por funcionários do governo
como indicação de que novos assentamentos não causam desmatamento, esta
conclusão está longe da verdade. Na realidade, praticamente todas as novas áreas
de assentamento continuam sendo estabelecidas em terra florestada, embora seja
verdade que o INCRA, por si próprio, não faz a seleção destes locais. Isto é
porque o INCRA, na prática, já não seleciona mais os locais para novas áreas de
assentamento. Em vez disto, o MST ou outras organizações de sem terras
selecionam os locais, escolhendo as fazendas a serem invadidas, e o papel do
INCRA é limitado à subseqüente “legalização” destes fatos consumados. Além
disso, freqüentemente são ampliados os assentamentos previamente estabelecidos
em áreas de floresta.
(b) Exploração Madeireira
A exploração de madeira pode contribuir com a
seleção de áreas florestadas para a invasão, já que os ocupantes freqüentemente
vendem toras. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), que é responsável pela regulamentação da exploração da
madeira, só é presente esporadicamente. Intensa exploração madeireira nas
porções florestadas das áreas de assentamento (como a área de assentamento Progresso)
é evidente. Os colonos podem receber um pequeno pagamento por permitir a exploração
madeireira, embora também ocorre o simples roubo de árvores madeireiras.
Madeireiros cortaram as árvores de castanha do Pará, a pesar desta espécie ser
protegida legalmente pelo Código Florestal (Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965).
Esta parte do Sul do Pará é conhecida
como o “polígono dos castanhais”, devido à abundância dessa espécie. Freqüentemente,
árvores isoladas que são deixadas em pé nas pastagens morrem quando são
queimadas as pastagens para controlar a invasão de vegetação lenhosa. Em 1995
uma brecha foi aberta na proteção de árvores de castanha do Pará, permitindo o
corte de árvores mortas ou que estejam morrendo (“desvitalizadas”) (IBAMA
Portaria 048/95 de 10 de julho de 1995). Esta brecha expirou no final de 2000,
mas pode ser renovada. O corte comercial de árvores de castanha do Pará vivas é
aparente em toda parte (observação pessoal). A ausência de execução do IBAMA
dos regulamentos sobre a exploração madeireira fere a base do manejo florestal
sustentável: a proteção contra competição injusta da exploração madeireira
insustentável.
A entrada de migrantes em terra privada pode
estimular exploração madeireira no resto da reserva de floresta pelo proprietário
da terra ou por madeireiros que pagam para o dono uma taxa pela madeira
removida por eles (por exemplo, a Fazenda Cabaceiras). A venda de madeira também pode estimular uma
forma de conspiração entre os migrantes e os proprietários de terras. Porque os
regulamentos atuais efetivamente licenciam 3 ha de desmatamento por ano por
família (Instrução Normativa do MMA 07/99 de 17 de abril de 1999), com o
direito para vender 15 m3 de toras por hectare
desmatado, isto fornece o mecanismo principal para a entrega legal de toras
para as serrarias e para a obtenção de documentos que dão a aparência de
legalidade às entregas de fontes proibidas. Em contraste, obter a aprovação de
um plano de manejo florestal do IBAMA requer pelo menos dois anos e uma despesa
considerável. Para donos de fazenda que já desmataram a porcentagem legalmente
permitida das suas propriedades, o que representa o caso normal na área de
Marabá, o investimento de tempo e dinheiro necessários para obter a aprovação de
um plano de manejo florestal praticamente impedem os fazendeiros de colherem
madeira de forma legal, da porção florestada (“reserva legal”) das suas terras.
O resultado é um estimulo ao desmatamento por migrantes.
(c) Serviços Ambientais
Os diversos grupos estão aprendendo a usar um
discurso ecológico, desde o MST até os grandes proprietários de terra representados
pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá (PRORURAL). Muitas vezes ainda não
é claro se esse discurso é um primeiro passo para um desenvolvimento
ambientalmente sustentável ou apenas um meio de neutralizar a influência de
preocupações ambientais.
A medida com melhores perspectivas é uma proposta da FETAGRI chamada PROAMBIENTE,
que inclui a concessão de uma porcentagem dos valores dos empréstimos agrícolas
do Banco da Amazônia (BASA) como subsídio para cobrir os custos incrementais
das práticas sustentáveis e de impacto reduzido. A FETAGRI argumenta os
subsídios, com base nos serviços ambientais das florestas deixadas em pé (por
exemplo, Fearnside, 1997d). Muito resta
a ser definido: como monitorar as práticas melhoradas, como atribuir
desmatamento evitado e como lidar com casos de não cumprimento dos acordos. Uma
fonte de fundos para um subsídio deste tipo também teria que ser encontrada,
por exemplo, por meio de negociações internacionais relacionadas a benefícios
de carbono (Fearnside, 1999b).
4. MEDIDAS
NECESSÁRIAS
São necessárias políticas nacionais para fortalecer
a agricultura familiar, assim redirecionando as prioridades governamentais da soja
e dos outros usos de terra adaptadas a grandes proprietários de terras.
Reformar terra de pastagem para agricultura, às vezes denominada “recuperação
de terras degradadas”, é uma atividade essencial, se as grandes fazendas serão
redistribuídas para pequenos agricultores sem estimular desmatamento adicional.
Progresso significativo na estabilização da
população de assentados é vital para todas as outras metas do desenvolvimento,
incluindo a limitação da destruição ambiental. Entre outras medidas, isto
necessitará de um investimento significativo em educação e saúde (inclusive
controle de natalidade). Serviços ambientais deveriam ser considerados como uma
fonte de apoio, como pela proposta PROAMBIENTE.
Restrições efetivas devem ser colocadas em
prática, sobre a venda de lotes e o recebimento subseqüentemente de outros
lotes sob programa de reforma agrária. Isto requererá um cadastro nacional de
migrantes assentados. Mudar as condições de financiamento para amarrar os
empréstimos a indivíduos, ao invés de amarrá-los às parcelas de terra, ajudaria
em reduzir a substituição dos colonos. Estabelecer o controle de lei é uma
condição prévia para o uso de outras ferramentas de políticas públicas, tais como
o zoneamento ecológico-econômico. Em locais efetivamente sem lei, tais
ferramentas não pode ser esperado a conter a destruição ambiental resultante de
roubo, fraude e corrupção.
Os graves problemas ambientais e sociais causados
pelo fluxo contínuo de migrantes à área de Marabá provavelmente serão repetidos,
na medida em que os transportes melhoram para fronteiras vizinhas. Com a pavimentação
da rodovia Transamazônica de Marabá até Altamira, e depois para o oeste até
Rurópolis (esperado sob o Plano Plurianual 2000-2003, também conhecido como
“Avança Brasil”), provavelmente o fluxo destas áreas se distribuirá para áreas
maiores com floresta em pé. Isto ressalta a necessidade de uma ação para diminuir
o fluxo de pessoas, particularmente do Maranhão, para Marabá.
Reduzir a velocidade do fluxo de população do
Maranhão requer, no mínimo, dar um fim à prática de algumas prefeituras
municipais do Maranhão de pagar a passagem de trem para migrantes, e também
remover qualquer subsídio pela CVRD no fornecimento do serviço de passageiro na
estrada de ferro. No futuro, poderia ser necessário considerar o fim de serviço
de passageiro. Também são necessários maiores esforços para alcançar a reforma
agrária e para viabilizar a produção de agricultura familiar dentro do Maranhão.
Nenhum programa para reduzir os problemas ambientais e de posse da terra no Sul
do Pará pode ter êxito sem colocar um fim à exportação de população das áreas
fonte. Condições prévias para a melhoria dos problemas sociais e ambientais na
Amazônia incluem enfrentar o problema de migração, estabelecer o controle de lei
na região, redistribuir áreas de pastagem em grandes propriedades e implantar
formas sustentáveis de agricultura familiar nas pastagens redistribuídas.
AGRADECIMENTOS
Os seguintes órgãos e grupos fornecerem valiosa
ajuda e informação no Sul do Pará: Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), Superintendência do Sul e Sudeste do Pará, Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Fazenda Cabaceiras, Federação dos
Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), Marabá, Sindicato dos Produtores Rurais
de Marabá (PRORURAL), Associação dos Produtores Rurais Agro-Extrativistas do
Assentamento Progresso (APREAP), Associação de Produção e Comercialização do
Assentamento de Palmares (APROCPAR), Cooperativa dos Trabalhadores
Agro-Extrativistas de Nova Ipixuna (CORRENTAO), Amigos da Terra-Marabá, José
Diamantino (Fazenda Taboquinha), e colonos nos Projetos de Assentamento (P.A.)
Progresso, Palmares-I e Palmares-II. Informações úteis
também foram fornecidas por representantes em Brasília de CNA, EMBRAPA, IBAMA,
INCRA, MMA e o Banco Mundial, o representante de Pará/Amapá da FETAGRI e
especialmente discussões com os meus colegas membros do Grupo Aconselhador
Internacional (IAG), do PPG-7. O Conselho Nacional do Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq AI 523980/96-5) e o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA PPI 1-3160) contribuíram apoio financeiro. R.I.
Barbosa, N. Hamada, S.V. Wilson e um referee anônimo fizeram comentários
valiosos. Esta é uma tradução atualizada de um trabalho publicado na revista World Development (Fearnside, 2001).
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
BASA: Banco da Amazônia, S.A.
CNA: Confederação Nacional da Agricultura
CORRENTÃO: Cooperativa dos Trabalhadores Agro-Extrativistas
de Nova Ipixuna
CVRD: Companhia Vale do Rio Doce
EMATER: Empresa Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária
FETAGRI: Federação de Trabalhadores na Agricultura
GETAT: Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins
IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis
ITERPA: Instituto das Terras do Pará
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária
MLT: Movimento da Luta pela Terra
MMA: Ministério do Meio Ambiente (anteriormente o
Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal)
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PPG-7: Programa Piloto para a Conservação das
Florestas Tropicais do Brasil PRONAF: Programa Nacional para Agricultura
Familiar
PRORURAL: Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá
PIC: Projeto Integrado de Colonização
TDA: Títulos da Dívida Agrária
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LEGENDA
DE FIGURA
Figura
1. A Amazônia Legal brasileira e o Sul e Sudeste do Pará, com locais
mencionados no texto.